O
Positivismo citado por Leandro Karnal
Arthur
Virmond de Lacerda Neto
26.XII.2015.
Em dezembro de 2015, Leandro
Karnal referiu-se, em conferência na Universidade Federal de Uberlândia, ao
Positivismo, nestes termos: “Ser positivista é um xingamento que atinge a todas
as pessoas. Não obstante, em todas as bancas os temas mais tratados são: erros
de redação, falhas da ABNT e erros de data. Nós odiamos o Positivismo, mas as
bancas são positivistas”.
Positivismo
é a doutrina criada pelo francês Augusto Comte, cujos princípios fundamentais
correspondem:
a) ao
entendimento, em filosofia, de que o mundo existe e funciona segundo leis
naturais que lhe são inerentes, e não segundo a intervenção de seres
sobrenaturais (deuses) nem de energias, espíritos ou forças igualmente
sobrenaturais. O reconhecimento das leis naturais permite a previsão dos
fenômenos e, em certa medida, a intervenção neles.
b) ao
entendimento, em religião, de que há um ser supremo, superior aos indivíduos, a
Humanidade, conjunto dos seres humanos de todos os tempos, úteis ao seu
semelhante.
c) ao
entendimento, em moral, de que o altruísmo, vale dizer, o sentimento e a
prática do bem, é preferível ao egoísmo sob qualquer das suas manifestações.
d) ao entendimento, em política, de
que o governo deve limitar-se a atuar sobre as coisas, sem interferir nos
pensamentos, ou seja, deve ocupar-se da administração da vida material da
coletividade e abster-se de ingerir-se no que se relacione com as convicções das
pessoas: não deve o Estado impor nem proibir nenhuma religião, tampouco os atos
de culto correspondente, nem nenhuma doutrina. O Estado deve ser laico, neutro
em matéria de religião e de doutrinas.
Comte
criou, também, a sociologia.
A
Sociologia corresponde à ciência da sociedade: assim como da observação
dos astros resultou a astronomia; como da observação dos seres vivos resultou a
biologia, da observação da sociedade resultou a sociologia, como ciência
autônoma, que Augusto Comte constituiu, nominou e cujos princípios formulou.
Ele
discerniu, nas sociedades, elementos constantes, permanentes (a propriedade, a
linguagem, o governo, o sacerdócio, a religião) e as suas variações ao longo do
tempo, ou seja, as condições estáticas e dinâmicas da sociedade, que nominou,
respectivamente, de ordem e de progresso.
Ordem
significa as condições de existência das sociedades, a forma pela qual elas
existem. Progresso significa a forma pela qual os elementos da ordem alteram-se,
ao longo do tempo. Na primeira, consideramo-las com abstração do tempo, como se
elas se encontrassem fixas e imóveis, sincronicamente; na segunda,
consideramo-las sob o passar do tempo, no seu movimento ao longo dele,
diacronicamente.[1]
A
estática social acha-se no segundo volume do Sistema de Política Positiva
(1852); a dinâmica social acha-se no seguinte, de 1853, que contém a filosofia
da história do Positivismo.
O
Positivismo compreende, também, uma religião.
Religião
não é sinônimo de teologia. Teologia significa a área do entendimento humano
que se ocupa do conhecimento das divindades, da demonstração da sua existência,
da percepção da sua providência e da sua vontade, da interpretação das suas
manifestações, da instituição do culto que se lhes vota, da formulação dos
princípios da fé que se adota em relação a eles, da determinação dos
comportamentos que os homens devem praticar em decorrência da vontade divina.
Religião
significa o conjunto de princípios de inteligência, da afetividade e de
comportamento que orienta os indivíduos e que permite o entrosamento deles
entre si. Ela educa o indivíduo pelo dogma (conhecimentos intelectuais), pelo
culto (práticas que inspiram sentimentos) e pelo regime (formas de
comportamento) e permite a aproximação das pessoas que comungam dela, mercê da
concordância das suas maneiras de pensar e de viver .
É
religião todo sistema de credo, de culto e de regime que forma a pessoa e que,
ao mesmo tempo, serve de meio de comunhão social.
Corriqueiramente,
confunde-se religião com teologia ou, antes, a forma teológica da religião com
a própria religião.
Historicamente,
a religião apresentou diferentes modalidades: foi feiticista, astrolátrica,
politeica, é (em declínio) monoteica; pretende o Positivismo que seja humana.
As
formas teológicas de religião admitem a existência de sobrenaturalidade e,
nele, de vários deuses (politeísmo) ou de um só (monoteísmo, de que a forma
ocidental corresponde ao cristianismo).
A
religião da Humanidade rejeita qualquer sobrenatural e centra-se no conceito de
Humanidade, conjunto de pessoas (e animais) que, ao longo dos tempos,
contribuíram para o incremento da condição de existência das sociedades e que,
em maior ou menor medida, participaram, construtivamente, da civilização
humana.
A
religião da Humanidade celebra os principais agentes da civilização, em
filosofia, política, ciência, atividade, artes e letras. Ela adota por
fundamento o conhecimento da realidade, tal como a ciência a descreve; norteia
a afetividade na direção dos bons sentimentos; orienta a atividade em prol da
paz interna e internacional, do espírito público e da probidade pessoal.
O
Positivismo não é cientificista, no sentido de que não se limita ao
conhecimento que a ciência nos propicia; nele, ela não constitui o fim da
inteligência humana nem a sua limitação. Ela constitui o fundamento do
conhecimento da realidade.
A
combinação da recusa do sobrenatural (ateísmo), com a convicção de que há
regularidades nos fenômenos que o homem é capaz de conhecer (ciência) e usar
(técnica), com o antropocentrismo (o humano como centro e destino do
conhecimento e da atividade, como critério dos valores), com o senso de coletividade,
com a percepção da relatividade dos nossos conhecimentos, com a preocupação com
o próximo resultam no que o Positivismo nomina de espírito positivo ou
positividade.
O
Positivismo não se limita à ciência; ele não se reduz ao estudo científico e à
sua exaltação como culminância do saber. Ele usa-a como instrumento voltado ao
fim maior de conhecer-se a realidade e modificá-la em direção socialmente
vantajosa.
Ao
quadro intelectual que acabo de expor (espírito positivo; instituição da
sociologia; religião da Humanidade) corresponde o Positivismo na sua
originalidade.
Escassamente
estudado no Brasil o Positivismo, conhecido de segunda mão, desmerecido pela
direita, pela esquerda, pelos católicos, o adjetivo positivista degenerou,
entre nós, em xingamento acadêmico. Apodar algo ou alguém de positivista
tornou-se forma de estigmatizá-lo: o estigma é injusto, a qualificação é
preconceitosa.
A
qualificação é preconceituosa porque serve para desmerecer, automaticamente, o
objeto ou a pessoa a que o qualificador se opõe: dado o rótulo, associam-se ao
rotulado conotações pejorativas, usualmente combinadas com emoções raivosas,
homólogas aos vitupérios “viado”, “fascista”, “ateu”, “cartesiano”, “petista”,
“coxinha”. Bem entendido que tal estratagema supõe, no visado e nos
expectadores, inculcamentos prévios que tornem eficaz o xingamento. No caso do
Positivismo, as comunidades acadêmica e profana vêm sendo doutrinadas na
maledicência dele, o que tornou professores, estudantes e leitores propensos ao
efeito vituperador, já inveterado no senso comum.
Mas
a imputação de “positivista” é, principalmente, injusta porque advém de
avaliações distorcidas do Positivismo, da aplicação da falácia do espantalho,
da má-fé, da ignorância; provavelmente, também, do ausência de brio intelectual
porque se ouse examiná-lo fora do espírito de rebanho, dos consensos acadêmicos
e discrepar-se do tom de vaia com que a multidão se sente em espírito de corpo.
Duas
tarefas incumbiam ao Positivismo, asseriu Comte: substituir a fé sobrenatural
por outra, demonstrada; incorporar o proletariado à sociedade moderna, vale
dizer, laicizar a moral e promover a igualdade social.
Como
filosofia e como ética, o Positivismo visa a suceder às concepções de mundo
teológicas (fundadas no sobrenatural) e ontológicas (tributárias da imaginação
de entidades) por cosmovisão realista, centrada na idéia de Humanidade,
inspirada por simpatia humana, dedicada ao incremento do bem-estar das pessoas.
A
positividade é realista, construtiva e simpática: a sua ética parte da
realidade para construir valores de fraternidade; também é relativa, porque
situa os valores e os comportamentos nos respectivos contextos e julga-os
conforme a eles.[2]
Como
filosofia (entendimento do mundo e do lugar que nele ocupa o ser humano) e como
ética (reflexão acerca dos valores), o Positivismo transcende a filosofia e a
ética da ontologia e, máxime, da teologia. Transcender, aqui, significa recusar
o sobrenatural e o ontológico; por outro lado, desenvolvê-las à luz da
realidade humana.
O
etos positivista produz a ética positivista como escala de valores
espontaneamente realista, deliberadamente fraternal, dedicada e libertária. Ela
fundamenta-se na experiência para criar regras de comportamento, que se avaliam
segundo os efeitos humanos de cada ato, cada hábito, cada tendência ou
sentimento.[3]
Mais
positividade e mais moralidade, mais realidade nas observações e mais humanismo
nas aplicações: eis, enfim, a mensagem do Positivismo, à luz da axiologia. Laicidade,
liberdades políticas, direitos trabalhistas, feminismo (sem exacerbações),
direitos dos animais, educação para todos,
direitos humanos,
democracia, república, cooperação internacional são temas atuais,
que se compaginam, direta ou indiretamente, com as proposições do Positivismo.
Quanto
à “incorporação social do proletariado” (fórmula em que proletariado significa
o comum das pessoas, o público em geral) o Positivismo inspira-se no esforço pela
elevação da condição de vida das pessoas, do seu nível de instrução, do seu acesso
ao lazer, da estabilidade no emprego, da proteção do trabalhador, na
participação de todos nos produtos intelectuais, materiais e morais disponíveis.
Nesta acepção, o Positivismo é “trabalhista”, ao invés de “burguês”. Se, por um
lado, afirma a propriedade individual, por outro, afirma, igualmente, os
deveres do proprietário: sendo social na sua origem, a riqueza deve sê-lo
também nas suas aplicações. Na cosmovisão positivista, o rico detém a riqueza
não para seu uso e gozo pessoal, senão como administrador de produtos,
instrumentos e meios com que deve beneficiar o público: na função social da
propriedade, dogma do Positivismo, aos ricos incumbem deveres republicanos.
Também
o republicanismo pertence, por excelência, ao Positivismo: ausência de sucessão
hereditária da chefia do Estado; dedicação da atividade em prol do conjunto da
sociedade, com liberdades políticas e pessoais. A república, no Positivismo, fundamenta-se
na separação dos poderes temporal e espiritual (gíria positivista), vale dizer,
na independência da opinião em relação ao Estado, na liberdade de consciência
perante o poder público.
Liberdade
de ser, de estar, de pensar, de fazer, de abster-se, de dizer, de calar, de
crer, de duvidar, de vestir-se, de desnudar-se, de exercer a própria
individualidade, de ser original, de não o ser, em suma, todas as liberdades
pessoais calham no Positivismo, exceto a de prejudicar a outrem, advérbio em
que Augusto Comte incluiria a fauna, a flora e a própria Terra e, com ela, o
ambiente. O Positivismo foi pioneiro no atualmente em voga ecologismo. Nas
liberdades positivistas cabem, também, as limitações tradicionalmente admitidas
no mundo ocidental à interferência dos poderes públicos na existência das
pessoas.
O
Positivismo não se alinha com o individualismo, não centra os seus valores no
indivíduo, a despeito da sociedade. Ao contrário, ele é organicista, professa a
comunhão de cada um em relação aos demais, não apenas porque o ser humano
desenvolve-se coletivamente, na medida em que os produtos intelectuais e
materiais transmitem-se diacronicamente, como, sobretudo, porque a existência
humana somente se desenvolve no meio coletivo: daí o seu dístico “viver para
outrem”, como constatação de que a vida de cada um se integra, de longe ou de
perto, na de outrem, e como incremento do sentido de colaboração. Ser
positivista equivale a saber-se integrante da coletividade e prestar o seu
concurso para o aprimoramento da sociedade em que se vive.
O
Positivismo foi precursor, também, na dignificação dos animais, atualmente em
voga, a título de “direitos dos animais”: já em 1852 Augusto Comte introduzira
a noção dos deveres da Humanidade para com os nossos “irmãos menores”.
Inteligência
amorosa da realidade; república amorosa das liberdades; riqueza amorosa do
bem-estar alheio; humanismo amoroso do senso de responsabilidade social; homens
amorosos dos animais.
Isto
é o Positivismo. Diferentemente disto, não é o Positivismo; é alguma forma de
“positivismo”, são as caricaturas que dele circulam na forma de falácia do
espantalho, é o que se lhe imputa desonesta ou ignorantemente.
Segundo
Leandro Karnal, o “Positivismo não deu certo na França” e “morreu, mas o seu
cadáver ainda fede nas academias”.
“Dar
certo” é expressão vaga que, na sua latitude polissêmica, comporta as mais
variegadas interpretações e manipulações.
O
Positivismo não deu certo por que não granjeou adeptos? Porém os teve, e
muitos, notadamente em Paris, em que funcionou a Sociedade Positivista, em vida
de Comte e após a sua morte.
Não
deu certo por que malogrou a sua divulgação? Mas (para limitar-me à França) a Revue Occidentale, orgão do Positivismo,
circulou, regularmente, por cerca de quarenta anos, com a colaboração de
intelectuais franceses e estrangeiros, vale dizer, cativou público leitor e
manteve público autor. Também na França, La
philosophie positive, periódico, existiu por dezesseis anos ou mais. Na
França e no exterior houve oito revistas positivistas.
Não deu certo por que não persuadiu políticos?
Contudo (limito-me a franceses) Júlio[4]
Ferry, Waldeck-Rousseau e Gambetta, primeiros-ministros franceses,
declaravam-se positivistas; os positivistas Carlos Robin e Emílio Littré
conquistaram a senatoria; Maurício Ajam e E. Delbet foram deputados no
parlamento francês; o general André, ministro da Guerra; Deluns-Montaud,
ministro dos Trabalhos Públicos; Leão Bourgeois, antigo primeiro-ministro e
senador, professavam, de público, admiração pela obra de Comte.
Não
deu certo por que o mundo acadêmico e intelectual ignorou-o? Todavia
(selecionei franceses) o sucessor de Comte, Pedro Laffitte, obteve cadeira de
História das Ciências, no Colégio de França; Carlos Adam, professor de
Filosofia em Dijon; Franck Allengry, professor de filosofia; A. Aulard,
professor da Faculdade de Letras de Paris; Alexis Bertrand, professor de
filosofia na Universidade de Lyon; Carlos Bouchard, professor da Faculdade de
Medicina de Paris e membro da Academia de Ciências; Ferndinando Brunitière, da
Academia Francesa; Gabriel Compayré, reitor da Universidade de Lyon; Heitor
Denis, reitor da Universidade de Bruxelas e deputado no parlamento belga; Dujardin-Baumetz,
sub-secretário de Estado das Belas Artes; Emílio Faguet, professor da Faculdade
de Letras de Paris e membro da Academia Francesa; A. Lacassagne, professor na
Faculdade de Medicina de Lyon; Júlio Lemaitre, da Academia Francesa; L.
Levy-Bruhl, professor na Escola de Ciências Políticas; Emílio Littré, da
Academia Francesa; o conde Leão de Montesquiou, autor de livro; Emílio
Ollivier, da Academia Francesa; Ernesto Renan, do Instituto de França; Emílio
Rigolage, professor universitário; Carlos Robin, senador; Sully-Prudhomme, da
Academia Francesa, para limitar-me aos franceses, testemunharam adesão fiel ou,
no mínimo, simpatia pelo Positivismo.
Não
deu certo, porém, segundo Harald Hoffding, professor da Faculdade de Filosofia
de Copenhage, a sua influência na filosofia européia foi salutar, benéfica e imensa. Não deu certo, mas Ernesto Renan, do
Instituto de França e diretor do Colégio de França, comovia-se ao ver tantos homens de valor, na França, na
Inglaterra, na América, aceitar este nome [o de Comte] como bandeira. Não deu certo, mas Luis Stein, da Academia de
Ciências de Berna, via em Comte um rival
de Kant, o maior gênio filosófico da França. Não deu certo, porém consoante
o jesuíta Grüber, o movimento positivista
[...] aufere, há uma geração, em
diversas formas, o domínio inteiro da filosofia, da ciência, da literatura, da
política.
Não
deu certo por que os franceses olvidaram-se dele? Entretanto, Annie Petit,
Roland Andréani, Gérard Cholvy, Alain Vaillant, Jean-François Braunstein,
Jérôme Grondeux, Angèle Kremer-Marietti, Antoine Picon, Daniel Becquemont, Eric
Sartori, Jacques Muglioni, Jean-Claude Wartelle (para nominar alguns) são-nos
coevos e autores de livros e estudos acadêmicos acerca do Positivismo.
Não
deu certo como religião: não chegou a desenvolver-se sacerdócio da Humanidade,
não se edificaram templos da Humanidade e escassearam os positivistas
religiosos. A reação católica (re) doutrinou, no período napoleônico, os filhos
da geração iluminista e, novamente, na segunda metade do século 19, conteve o
avanço positivista, marxista, socialista, livre-pensador, ateu, anti-clerical, por
meio da preponderância na educação e da formação do etos francês, ao mesmo
tempo em que os positivistas franceses, na pessoa do seu cacique, Pedro
Laffitte, deliberadamente esforçaram-se pela propagação intelectual da
doutrina, cuja vertente religiosa negligenciaram, ao passo que, no Brasil, os
positivistas enfatizaram a religião da Humanidade, cujo culto e as intervenções
públicas de Miguel Lemos e de Raimundo Teixeira Mendes granjearam popularidade,
prestígio, influência e adeptos que se congregaram em comunidade propriamente
religiosa.
O
Positivismo não merece ódio. Merece atenção e estudo isento: o seu estudo
desapaixonado, em fontes confiáveis, a começar pelas obras do próprio Comte e
dos seus discípulos brasileiros e forasteiros, suscitará, quero crer,
admirações e mesmo adesões, a exemplo das muitas que, em tempos, ele granjeou,
no Brasil e no exterior.
Leandro
Karnal associou o adjetivo “positivista” à atenção, das bancas acadêmicas, pelas
regras da Abnt, por datas e pela redação escorreita, a cujo propósito expendeu
que “o seu [do Positivismo] cadáver fede nas academias”.
Relevo
o mau gosto da locução, mas noto-lhe o aspecto de frase de efeito que veiculou
a confusão entre Positivismo e a caricatura estúpida dele, que designou de
“positivismo”.
Em
si, não é censurável as bancas atentarem à ortografia, à escorreição dos
textos, à correção cronológica e mesmo à observância das (fastidiosas) regras
da Abnt. Aliás, incumbe-lhes argüirem os autores de monografias, dissertações e
teses quanto às datas, à ortografia e às regras da Abnt, embora secundariamente.
Seja
como for, a adjetivação de “positivista” aplicado, como fez Leandro Karnal, somente
se tolera por figura de linguagem desnecessária, em que alargou demasiadamente
o sentido de Positivista para o que, com propriedade, deve-se exprimir por
outros adjetivos: as bancas são meticulosas, minuciosas, rigorosas, birrentas, implicantes,
fúteis ou o que se entender que são – contudo, não são Positivistas.
A
única via de aproximação entre o Positivismo e a metonímia de Karnal resulta de
um dos sete significados da palavra positivo, tal como Augusto Comte a definiu:
o positivo é real (e não fantástico), útil (e não ocioso), certo (e não
duvidoso), preciso (e não vago), orgânico (e não destruidor), relativo (e não
absoluto) e simpático (e não inafetuoso).
Mesmo
que se isolasse (das outras seis) a acepção de certeza e que se exacerbasse o
“certo”, ainda assim a sinonímia entre “certo” e “positivista” produz metonímia
1) inteiramente desnecessária, em face da existência de vocábulos que exprimem
com propriedade o que ela exprime figuradamente, 2) censurável, pois reduz a
riqueza polissêmica própria de positivo à uma univocidade artificial, 3)
errada, pois a preocupação meticulosa com datas, regras da Abnt, erros de
redação e quejandos não integra, caracteristicamente, a forma mental do
Positivismo e 4) novamente errada pois “certo”, no jargão positivista opõe-se a
duvidoso. Duvidoso é o que suscita dúvidas, a cujo respeito não se formaram
conclusões, que ainda pende por esclarecer. Certo, na acepção positivista não
equivale a correto gramatical, estilística, cronológica ou convencionalmente. Uma
dissertação pode conter afirmações erradas no seu conteúdo, datas indevidas,
formalidades da Abnt descumpridas, sem que nada disto seja duvidoso.
Quer
Leandro Karnal haja empregado o adjetivo “positivista”, na acepção em que o
fez, por originalidade própria ou por imitação de uso corrente, nos dois casos
trata-se de abuso terminológico que urge correção.
Leandro
Karnal cometeu dois erros de fato: segundo ele, as tumbas de Augusto Comte e de
Clotilde de Vaux existem graças a doações de brasileiros. É falso. A sepultura de
Clotilde pertencia à sua família (Marie de Ficquelmont); a de Comte não foi
doada por nenhum brasileiro. Atrás, contudo, da tumba dele, a Igreja
Positivista do Brasil adquiriu terreno em que, nos anos 1980, o almirante
brasileiro Henrique Batista da Silva Oliveira promoveu a instalação de
monumento à Humanidade (mulher jovem com o seu filho criança nos braços).
Na
sua alocução, quero crer que na expressão “nós odiamos o Positivismo”, Leandro
Karnal haja se expressado metaforicamente: referiu-se não a si próprio (mercê
do chamado plural de modéstia, em que o pronome da primeira pessoa do plural
equivale ao do singular) nem à coletividade que o ouvia, mas, vagamente, aos
que odeiam o Positivismo (o que, porventura, inclui a si próprio e a parte dos
seus ouvintes então).
Seja
quem for o odiento, mal vai a vida intelectual quando se odeia em lugar de se
impugnar, quando a cognição se sujeita às más paixões.
Não
considero desmerecedor o adjetivo positivista nem o substantivo positivismo,
desde que compreendidos nos seus sentidos lídimos, como expressões do que
realmente Augusto Comte expendeu.
Positivismo
e positivista exprimem estudo dos fenômenos como objetos
de observação (ao invés de imaginação); ateísmo; moralidade como correspondendo
ao altruísmo em todas as suas formas; laicidade da moral; eliminação total da
violência nas relações humanas, pessoais, políticas e internacionais; condenação
das guerras; liberdades civis; submissão da política à moral; recusa de imposição
governamental de doutrinas aos indivíduos; laicidade do Estado; incorporação
social do proletariado à sociedade moderna (construção de sociedades justas,
solidárias e includentes); espírito público; república; patriotismo sem
xenofobia; zelo pelo próximo e pelo conjunto dos humanos; função social da
riqueza e da propriedade; valorização do indivíduo como agente da ação humana; encarecimento
do papel afetivo da mulher, no seio da família, como formadora dos seus filhos;
encarecimento do mérito humano, em todos os seus aspectos e em todos os lugares
e tempos; senso de dever; exortação pela fraternidade entre os povos; proteção
do ambiente; deveres para com a fauna e a flora.
Não concebo que se odeie tudo isto ou
parte disto. Nada disto me parece odioso; ao contrário, parece-me simpático e
aliciante.
O ódio do Positivismo e positivista
como vitupério correspondem a sintomas de desconhecimento, ignorância, má-fé,
preconceito (combinados ou não) em torno do que o Positivismo realmente é. Pelo
que ele realmente é, julgo que merece aplauso e motiva admiração; que é
suscetível de cativar homens de pensamento, homens de ação e homens de boa
vontade; de orientar pessoas, de inspirar políticas, de renovar mentalidades, de
fortalecer as liberdades, de promover o bem-estar humano. Também por isto tudo,
considero que ele merece a atenção do público intelectualmente honesto, quando
menos para se conhecer, fielmente, o que se odeia e para se construírem
metomínias melhores.
Em
tempo: Leandro Karnal reputou “simpático” o “projeto” de Laurentino Gomes, com
os seus livros “1808” e “1822”. A mim, o primeiro parece detestável pela sua
lusofobia, pela sua parcialidade, pelo seu tom apelativo, pela sua
desgraciosidade estilística. Isabel A. Ferreira, em Portugal, publicou Contestação (Chiado Editora, 2013), em
que lhe corrige erros, com veêmencia à altura da leviandade deles; José
Verdasca e Antonio Guerreiro publicaram, no Brasil, “A Colonização Portuguesa no Brasil. Contestação e repúdio aos livros “1808” e “1822” (2015). Justifiquei
a minha repulsa por “1808” no artigo “1808”: um péssimo livro (arthurlacerda.wordpress.com).
Fica o registro da divergência de avaliações entre Leandro Karnal e os quatro
autores.
[1]
É da autoria de Comte o dístico “Ordem e
Progresso”. São inteiramente falsas a associação da ordem com a repressão do
Estado às liberdades civis e política, e a do progresso com o incremento do
capitalismo e da dominação do proletariado pela burguesia. A ordem, no seu
sentido original e legítimo, não se refere à forma (autoritária ou não) do
poder governamental; o progresso, no seu sentido original e legítimo, não se
refere a nenhum sistema econômico. A distorção do significado destes conceitos
é corrente no Brasil. Aprendem-se as acepções legítimas deles mercê da leitura das
obras de A. Comte e das dos seus bons expositores, como Raimundo Aron (em “As
etapas do pensamento sociológico”, que se acha traduzida no Brasil);
aprendem-se as distorções deles mercê da leitura de autores marxistas, dos que
os repetem de segunda e terceira mãos, dos apedeutas, dos que criticam Augusto
Comte sem, previamente, haverem-lhe lido as obras e se esforçado, honestamente,
por compreendê-las.
[2]
No Positivismo não há relativismo moral, na acepção (jesuítica) de que os
valores e as noções de certo e de errado variam ao sabor das conveniências e
dos interesses; há relatividade das apreciações morais, no sentido de avaliar
os valores e os respectivos comportamentos em função do estado de coisas a que
correspondem.
[3]
COMTE, A. Discurso sobre o espírito
positivo. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 67.
[4]
Traduzo os prenomes dos mortos.
========================================================================
O POSITIVISMO CITADO POR LEANDRO KARNAL PREZADO SENHOR PROFESSOR LEANDRO KARNAL O Senhor não leu os originais de Augusto Comte. Leu em fonte errada e concluiu tudo errado. É por isso que Augusto Comte pregava que em Universidade se discute muito e muitas das vezes nada se conclui corretamente para a vida prática.
Não sou positivista ortodoxo.Não sou sociocrata e sim societocrata. Mas, Positivista!
Veja o comentário sobre a sua palestra. Referente ao tópico sobre Augusto Comte. http://cartacampinas.com.br/2015/12/karnal-quem-le-veja-nao-esta-dividido-com-nada-e-absolutamente-fascista/ Comentário de Arthur Virmond de Lacerda Neto http://sccbesme-humanidade.blogspot.com.br/2015/12/o-positivismo-citado-por-leandro-karnal.html Fica aqui registrado que um Encéfalo privilegiado vivente no século XXI é Positivista. http://www.millennialstar.org/stephen-hawkings-defense-of-positivism/ SEM MAIS PARA O MOMENTO, DESEJO-LHE SAÚDE, COM RESPEITO E FRATERNIDADE PAULO AUGUSTO LACAZ PRESIDENTE SCCBESME HUMANIDADE
O POSITIVISMO CITADO POR LEANDRO KARNAL PREZADO SENHOR PROFESSOR LEANDRO KARNAL O Senhor não leu os originais de Augusto Comte. Leu em fonte errada e concluiu tudo errado. É por isso que Augusto Comte pregava que em Universidade se discute muito e muitas das vezes nada se conclui corretamente para a vida prática.
Não sou positivista ortodoxo.Não sou sociocrata e sim societocrata. Mas, Positivista!
Veja o comentário sobre a sua palestra. Referente ao tópico sobre Augusto Comte. http://cartacampinas.com.br/2015/12/karnal-quem-le-veja-nao-esta-dividido-com-nada-e-absolutamente-fascista/ Comentário de Arthur Virmond de Lacerda Neto http://sccbesme-humanidade.blogspot.com.br/2015/12/o-positivismo-citado-por-leandro-karnal.html Fica aqui registrado que um Encéfalo privilegiado vivente no século XXI é Positivista. http://www.millennialstar.org/stephen-hawkings-defense-of-positivism/ SEM MAIS PARA O MOMENTO, DESEJO-LHE SAÚDE, COM RESPEITO E FRATERNIDADE PAULO AUGUSTO LACAZ PRESIDENTE SCCBESME HUMANIDADE
http://societocratic-political-regime.blogspot.com.br/2013/09/new-ideas.html
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