quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

BRASIL COLONIZADO POR BANDIDOS ?


                               BRASIL COLONIZADO POR BANDIDOS ?
                                                                       Arthur Virmond de Lacerda Neto.
                                                                                                              Dezembro de 2015.

             Não, o Brasil não foi colonizado por degredados nem por bandidos. Isto é mito, já desmentido pela historiografia, apesar do título do livro de Eduardo Bueno, "Traficantes, náufragos e degredados", livro que reproduziu o alvará de couto e homízio, do século 16, pelo qual os condenados, no Brasil, ficavam isentos de pena; ele o reproduziu sem nenhuma análise quantitativa de quantos degredados vieram nem do tipo de legislação penal vigente na altura.

            A armada de Cabral deixou 2 degredados; com Tomé de Sousa vieram 40, em 600 embarcados (dada a grafia de difícil leitura do documentário da expedição, leram 400 onde se redigiu 40).
             Ao longo dos séculos, a proporção de imigrantes voluntários e inocentes, criminalmente, foi incomparavelmente superior à suposta avalanche de degredados, que os documentos não confirmam. Demais, os crimes de então não o seriam hoje: punia-se mulher fingir parto, sacar de espada em procissão, fraudar pão. Camões foi degredado. Por outro lado, a Austrália não foi colonizada com o que a Inglaterra tinha de melhor; ela foi depósito de ladrões e de criminosos.
            Muitos brasileiros têm o vício de culpar algo ou alguém pelas mazelas do Brasil: o capitalismo, a burguesia, o regime militar e...a colonização. Não há fundamento nenhum na asserção de que os degredados aqui tinham interesses escusos em negociatas; é fantasia.

            Por outro lado, Gilberto Freyre (Aventura e rotina; O mundo que o português criou; O luso e o trópico; Novo mundo nos trópicos), Antonio Silva Mello (Nordeste), Eduardo Prado e Luis Pereira Barreto (na polêmica que os opôs), o romancista José de Alencar (Cartas sobre a escravidão), Carlos Mendonça Lisboa (500 anos do descobrimento) afirmam as qualidades da colonização portuguesa, do colono português, da mestiçagem, da obra de criação de riqueza e, especialmente, de construção de nacionalidade, diferentemente da exploração brutalmente cúpida dos holandeses no nordeste brasileiro e da incúria britânica no que concerne às suas antigas treze colônias.
            O que são as guianas inglesa, francesa e holandesa? Países atrasados que sempre o foram. O que é a India, após 300 anos de ocupação inglesa? Um dos mais pobres países do mundo. O que foi a Africa do Sul por décadas? Por anos a fio, o país da segregação de raças, ao inverso do Brasil, terra da aceitação do preto e do silvícola pelo branco.

            É fácil demais acusar o passado brasileiro como bode expiatório, mas é falso, histórica e antropológicamente, relacionar, em jeito de causa e efeito, os males presentes à nossa origem, mesmo porque houve, sim, no Brasil, períodos de riqueza, de honestidade, de elevação na política, de brilho nas letras. Por que só os males seriam produto da colonização e não, também, os méritos dos brasileiros? 

            O alvará do século 16 existiu; não se segue disto, que tenham vindo condenados e que estes fossem elementos perniciosos. As Ordenações Filipinas, livro de legislação que vigorou de 1603 até o Brasil independente, prescrevia degredo para o Brasil com prodigalidade, o que não implica que, de fato, houvessem degredados para cá, ao longo de trezentos anos.

            A leitura do Código Penal Brasileiro ensejará, virtualmente, a impressão de que todos os brasileiros são criminosos e de que perpetram os mais variegados crimes. Assim como ele não constitui o catálogo dos comportamentos habituais dos brasileiros, o alvará e a cominação de degredo para o Brasil tampouco indiciavam o tipo de pessoa que imigrava para o Brasil.

            Demais, a quem interessa o discurso inculpador da colonização? A quem ele serve? Por que insistir-se em culpar-se os portugueses de 500 anos atrás? Para desculpar-se, exculpar-se ou mitigar-se a culpa dos culpados atuais. A retórica da "corte corrupta", da emigração de condenados, de que "é assim desde o começo" alinha-se com o pensamento conformista e conformador, politicamente interessado em abrandar a censura moral que as pessoas imputam aos corruptos de hoje.

             Desde que o Brasil independeu, tornou-se senhor de si próprio, para bem e para mal; corrigir males e remediar erros tornou-se atribuição dos brasileiros. Se os alegados males da herança colonial persistem, é porque os brasileiros não souberam estar à altura da liberdade em que vivem. Por isto, não se culpe a "herança colonial", como se o Brasil fosse colônia ou se houvesse independido a pouco. Um dos males de que o brasileiro carece de se livrar, é o vezo de, como disse acima, de culpar a outrem pelos males que ele não sabe ou não quer erradicar. É discurso que convém muito a quem ele serve de justificação e que os sub-informados repetem acriticamente.

            Oliveira Lima, em "O movimento da independência" (Topbooks, p. 46) diz (maiúsculas minhas): "A COLONIZAÇÃO BRASILEIRA LEVADA A CABO POR DEGREDADOS É UMA LENDA JÁ DESFEITA. Nem ser degredado equivalia então forçosamente a ser criminoso, no sentido das idéias modernas. Punia-se com a deportação delitos não infamantes e até simples ofensas cometidas por gente boa. Os dois maiores poetas portugueses, Camões e Bocage, sofreram a pena de degredo na India, como Ovídio sofreu a de banimento no Ponto Euxino".

HONESTIDADE NA VIDA PÚBLICA BRASILEIRA EXISTIU (a propósito, também, da alegaçãode que a corrupção, no Brasil, é "herança colonial”).

            JOSÉ BONIFÁCIO, o velho, ao tornar-se ministro de D. Pedro I, logo depois da Independência, reduziu os salários dos ministros pela metade. De 800 mil réis, passaram para 400. No fim do mês, recebeu o seu, foi ao teatro e guardou a quantia embaixo do chapéu, na cadeira ao lado.

            No intervalo, ao regressar à sua cadeira, haviam-lhe furtado o chapéu e a soma. Teve de pedir dinheiro emprestado para pagar as suas contas. O imperador soube disto e mandou o ministro da Fazenda, Martim Francisco, irmão de José Bonifácio, pagar-lhe um segundo salário. 

O ministro recusou-se:

- Majestade, vou pedir licença para não cumprir a ordem.

- Por quê?

- Primeiro, pelo mau exemplo. Cada um tem que cuidar do que é seu. Segundo, porque o ano tem 12 meses para todos e não pode ter 13 para o um funcionário descuidado. Terceiro, porque vou dividir o meu com ele.

            Também é conhecida a honestidade de d. PEDRO II (cujo anedotário, a propósito, não coligi ainda).

            Bernardo PEREIRA DE VASCONCELOS. Na biografia que redigiu de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Otávio Tarqüínio de Sousa assim se refere ao pagamento de salário dos deputados brasileiros, em 1826:

“[...] para o deputado mineiro [Bernardo Pereira de Vasconcelos] o subsídio [salário dos deputados], que se tornaria depois um dos atrativos do mandato popular, era coisa que não queria discutir, a que aludia com escrúpulos. A Câmara de 1826 deixara a questão do subsídio ao arbítrio do Tesouro. Pagasse-o este, segundo as suas possibilidades, a 600$, a 400$ ou a 200$ por mês. Ou não pagasse nada. “Aqui ninguém vem pelo dinheiro”, disse Batista Pereira. Paula Sousa propusera o subsídio mínimo; com este alvitre ficou de acordo Bernardo de Vasconcelos. Prevaleceu afinal a importância de 600$000. Três anos mais tarde, o mesmo Vasconcelos proporia o subsídio de 8$ diários e concordaria com o de 6$400, lembrado pelo deputado Maia”. Bernardo Pereira de Vasconcelos, Livraria José Olympio, 1972, p. 36.

            Manuel DEODORO da Fonseca, chefe militar da proclamação da República, seu presidente provisório e seu primeiro presidente constitucional.

Nos meses finais do império, sendo primeiro-ministro o Visconde de Ouro Preto, este ofereceu-lhe o título de barão de Alagoas, em meio a uma distribuição generalizada de títulos e comendas aos oficiais generais do exército e da armada, como forma de cooptá-los em favor do regime. Deodoro recusou, como também Benjamin, a quem igualmente se ofereceu um baronato, e ainda, em Curitiba, Ermelino de Leão (que seria barão do Alto da Glória): não se deixavam corromper com títulos.

            Sendo presidente da república, recebeu a visita, no palácio do Itamarati, de um indivíduo que, para lisonjeá-lo com segundas intenções, deu-lhe um retrato de Deodoro em rica moldura, gentileza que muito o sensibilizou.

            Dias depois, voltou a procurá-lo o ofertante e solicitou-lhe um emprego excessivamente rendoso e cujo provimento dependia de concurso. O general explicou-lhe as condições em que poderia nomeá-lo, ao que ele replicou-lhe: "É que V. Excia. não se recorda de mim; eu sou a pessoa que ofereceu o seu retrato..." E Deodoro exclama: "Ah!, bem sei, bem sei, bem; estou na obrigação..." e saca do bolso 70 réis com que lhe pagou o retrato.

            O indivíduo relutou em aceitar, porém o presidente insistiu e obrigou-o a passar-lhe este recibo: "Recebi do Sr. generalíssimo Deodoro da Fonseca, a quantia de 70$ de um retrato do mesmo Exmo. Senhor que lhe ofereci no dia 2 de agosto findo, sem ser por encomenda. Capital Federal, 8-11-1890. - M...B...". (Ernesto Sena, Deodoro: subsídios para a sua história. Senado Federal, 1999, p. 182).

            Marechal do Exército, condecorado várias vezes, presidente da república, ao morrer, deixou à sua viúva as suas economias, a ninharia de nove contos.

            Um sujeito propôs negociata a FLORIANO PEIXOTO, em que este, presidente da república, seria sócio de rendosa empresa, cuja criação dependeria ,apenas, da concordância dele. Floriano respondeu ao tipo que, sim, serei sócio ...quando houver deixado a presidência.

            BENJAMIN CONSTANT Botelho de Magalhães foi tenente-coronel e professor de matemática na Escola Militar do Rio de Janeiro. Positivista, foi pregoeiro da república, encabeçou os cadetes na sublevação da madrugada de 14 para 15 de novembro; constituída a república, foi ministro da Guerra, e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos.

            No final do império, recusou o título de barão; sob a república, foi o único dos ministros do primeiro gabinete que não disputou eleições. Ao morrer, em 1891, não tinha casa própria: vivia de aluguel, do seu soldo.

            Raimundo TEIXEIRA MENDES, representante máximo do Positivismo no Brasil, até 1927, data da sua morte, e autor da bandeira da república, interveio dezenas de vezes nos assuntos públicos e na atuação dos governos, por meio de publicações episódicas, em que exprimia a sua opinião doutrinária, com independência e desassombro.

            Em certo domingo, ao retirar-se da Igreja Positivista do Brasil, em que predicara, o prefeito do Rio de Janeiro ofereceu-lhe carona, o que ele recusou, para que não se lhe acusasse de aceitar favores do governo...

         O marechal RONDON, positivista que sempre se assumiu como tal, recebeu da Associação Comercial de Manaus banquete em regozijo pelo estabelecimento, por ele, da linha telegráfica entre Manaus e Cuiabá, que traria incalculáveis benefícios ao comércio da primeira. O bródio decorreu no dia do aniversário da mulher de Rondon, Aracy (13 de dezembro), a quem a Associação Comercial fez presente de um colar de pérolas. Ao recebê-lo, para a sua mulher, Rondon agradeceu e recusou-o: “Não é, entretanto, possível à minha esposa, esposa de um simples oficial, usar as pérolas de um tão valioso colar, em desacordo com o nosso modesto padrão de vida. Aceitai-o, pois, de volta, com os meus mais comovidos agradecimentos”. (Ester de Viveiros, Rondon conta a sua vida. Biblioteca do Exército, 2010, p. 310-311).

            Antonio Augusto BORGES DE MEDEIROS, positivista, filho de pai pernambucano, juiz em Pouso Alegre (MG) e desembargador no Rio Grande do Sul, formou-se em Direito em São Paulo, foi constituinte em 1891 e governou o Rio Grande do Sul por 24 anos, de 1898 a 1908, de 1913 a 1915 e de 1916 a 1928. Era Positivista, discípulo de Augusto Comte. Não tinha casa; morava de aluguel. Ao deixar o governo, voltou para a casa que alugava. Não tinha do que viver, nem dinheiro com que pagasse o aluguel.

             Amigos sugeriram-lhe: 
- Doutor Medeiros. temos uma solução. Ponha uma tabuleta na sua janela: - "Advogado". E logo terá a maior e melhor banca de advocacia do Rio Grande.

- É verdade. Mas não posso. Todos os membros desses tribunais e os juízes, atualmente em atividade, foram nomeados por mim. Logo, não posso advogar no Rio Grande.
 
Para sustentar-se, a sua mulher costurou para fora até morrer, em 1957. Ele morreu em 1961, aos 97 anos.

            ANTONIO CHALBAUD BISCAIA, meu avô materno, foi promotor de Justiça de 1933 por diante, Procurador-Geral do Estado, Procurador-Geral de Justiça, chefe de Gabinete da Secretaria da Viação e Obras Públicas, Secretário de Estado da Viação e Obras Públicas, Secretário de Estado da Agricultura duas vezes, Deputado Federal, presidente do Fundo Telefônico (depois, Telepar). Construiu uma casa imensa na rua Lamenha Lins, 213 (em Curitiba), que pagou por empréstimo junto à Caixa Ecônomica, que amortizou de 1946 a 1976, mês por mês, enquanto exerceu os seus inúmeros cargos de confiança, no governo do Estado. Quando deputado federal, no R.J., alugou apartamentozinho em Copabacana, em que uma das suas filhas dormia na sala, por falta de espaço. Viajou, em vilegiatura, uma só vez na vida (para Minas Gerais). Levou vida financeiramente mediana sempre, em moço foi literato e orgulho-me de ser-lhe neto.



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