A CHAVE DO LÉXICO DE AUGUSTO COMTE.
Dr. Ângelo Torres -
UERJ 1997.
Este é esboço
de um pequeno vocabulário destinado a explicitar a nomenclatura específica
usada por Augusto Comte em suas obras.
Servirá como auxílio à compreensão de suas idéias, para evitar que o
pesquisador se veja iludido com a mudança semântica devida ao tempo e com as
alterações introduzidas pelo próprio filósofo. Essa combinação deformadora pode
levar muitos estudiosos a cair em verdadeiras armadilhas postas no caminho de
leitores ingênuos e de compiladores apressados.
A chave não tem a pretensão de cobrir todo o vocabulário filosófico de
Comte e muito menos todas as expressões da filosofia em geral, destinando-se
apenas a elucidar os conceitos mais polêmicos do pensador. Muitas lacunas serão notadas, sem que sejam
propositais. Palavras que faltam
deverão, mais tarde, ser aí colocadas, e algumas, menos importantes, poderão
ser retiradas, em nova redação. A
colaboração recebida por meio de críticas e de sugestões será bem aceita.
Os termos procuram expressar o
pensamento do filósofo, a ser posto para estudo e discussão. Ao lexicógrafo de momento não compete aqui
apoiar nem combater essas idéias. As
atualizações conceituais estão no mesmo caso; apenas são referidas as idéias
contemporâneas em acordo ou em oposição com as propostas de Comte. Essa atualização é que justifica constarem
teorias e teses de nossos dias neste trabalho, que não fica limitado, pois
apenas ao vocabulário histórico e à conceituação da época do pensador.
As indicações bibliográficas para
o texto do filósofo não são compreensivas, porque o autor tem cada conceito
posto em várias obras e em múltiplos pontos em cada obra. Procurou-se mostrar no texto as referências
mais ligadas ao assunto.
De maneira geral a conceituação e
as definições não são completas, destinando-se apenas a remeter o leitor ao
texto original, para a pesquisa por sua leitura integral. Alguma ajuda poderá ser obtida com os
índices alfabéticos indicados a seguir.
INDEXAÇÃO
Recomenda-se para a pesquisa dos textos de Augusto Comte o índice
alfabético da tradução inglesa do Système de Politique, em conjunto com o seu
sumário itemizado, remissivo às notas de margem apostas ao texto. A edição francesa tem também um índice
alfabético, feito com base do índice da versão inglesa. Outros índices que podem ajudar encontram-se
no Catecismo Positivista e nas Ultimas Concepções de Augusto Comte, de Teixeira
Mendes, 1898. O Cours de Philosophie
não tem indexação, mas a versão e condensação de Miss Martineau é apresentada
com itemização, que pode ser consultada em seu sumário.
São de grande utilidade os
diversos quadros sinóticos de Comte.
A CHAVE DO LÉXICO DE AUGUSTO COMTE
absoluto
“O único princípio absoluto é que tudo é relativo”.
APELO, 34; POLITIQUE,IV,Apêndice,p.II.
Ver: relativo
abstração
A abstração é o processo mental
que retira dos entes os atributos ou fenômenos de sua origem no ser, por meio
de uma operação interior na mente do sujeito observador. Nesse plano abstrato é
que se situam os sonhos, os ideais, os deuses, os princípios filosóficos e a
ciência pura positiva.
POLITIQUE,I,424; IV,170
Ver: regra.
afeição, sentimento
É o motor instintivo que comanda
o animal para a reflexão e para agir ou para preparar-se para a ação, sendo o
mais importante dos três atributos humanos: amar, pensar, agir. Para a afeição,
a Lei dos 3 estados seria: os
sentimentos primeiro são domésticos, depois cívicos e depois planetários ou
universais.
POLITIQUE, I,12
Ver conhecimento.
alienação crônica
Constitui a situação da doença do
mundo ocidental com o fim da civilização medieval, rompendo-se a harmonia
mental do indivíduo e a coesão social reinante no feudalismo e no catolicismo
até o século XIII.
POLITIQUE, II, 458
Ver crise da modernidade
alma
É o conjunto de funções de relação apresentadas pelos animais, que têm alma,
“anima”. As funções da alma são comprovadamente exercidas pelo aparelho
cerebral, que articula a sensibilidade com a contractilidade.
POLITIQUE, I, 680
altruísmo
Neologismo criado por Augusto
Comte para definir a afeição social, o sentimento que leva o animal a agir em
favor de outro. É o oposto ao egoísmo; é
o sentimento social, o amor, o instinto simpático, oposto às tendências da personalidade,
da individualidade. É a origem da coesão
social, em duas formas, a solidariedade no espaço, do grupo em cada época e a continuidade
no tempo, promovendo a convergência no ser coletivo nas diversas gerações.
POLITIQUE, I, 679
Ver continuidade, Clotilde de Vaux, humanidade,
solidariedade
ambigüidade
É o significado duplo ou múltiplo
de uma palavra. Na linguagem vulgar a ambigüidade revela relações conceituais
registradas pelo senso comum, que podem ter grande valor filosófico. Como no
caso da palavra coração e da palavra humanidade. Comte sugere a elaboração de um dicionário de
tais équivoques.
COURS, IV,491,492
animismo
Explicação do mundo por meio das vontades
dos objetos concretos, ou fetichismo. O
termo animismo tem o inconveniente de indicar a presença de uma “alma”
ou espírito nos corpos. Os povos
primitivos , como as crianças, não são capazes de abstração, não podendo
imaginar uma alma abstrata, dotada de generalidade. O ser;
ele próprio, singular, concreto,
é considerado como vivo, numa explicação por
causalidade direta, sem intermediação.
O fetiche, por sua vontade arbitrária, explica os acontecimentos.
POLITIQUE, III, 78
Ver fetichismo.
Arrow, Kenneth Joseph
Ver democracia, ver paradoxo de
Condorcet, teorema de Arrow,
arte
É o domínio filosófico da
comunicação que idealiza a realidade, ao passo que a ciência busca representá-la.
POLITIQUE, I,274
Ver estética, utopia
ateísmo
Negação da divindade, colocando
em seu lugar uma entidade igualmente inverificável, como a Natureza, o elã
vital, a energia cósmica, permanecendo a procura das causas primeiras e finais
a serem explicitadas pelas vontades arbitrárias absolutas. O ateísmo é mais
hostil à filosofia do que qualquer outro teísmo.
POLITIQUE, I,46,456
bíblia
O mais antigo monumento da
sabedoria humana, o livro da teocracia hebraica. Nela está representada a busca contínua do
progresso moral como o mais nobre objetivo da humanidade. Seus livros formarão, sempre, a melhor fonte
para estudar a transformação dos deuses politeicos em anjos do Senhor.
POLITIQUE, II,352,353; III,407;
POLITY, II,286; III,344
burguesia
A emancipação das pessoas comuns,
no fim da Idade Média, ou seja, o fim da servidão daqueles que não eram nobres
nem clérigos, criou a burguesia moderna. A burguesia venceu a luta contra a realeza e
contra a nobreza, com habilidade, acabando com o feudalismo, criando o novo
sistema social da modernidade. Aliou-se
à nobreza contra o rei na Inglaterra e inversamente no continente europeu, onde
ligou-se à realeza contra a nobreza.
COMTE,1972: Opúsculos de
Filosofia Social, 48
caráter
ou coração
Funções cerebrais simples ou
elementares de preparação mental antes da a ação: seriam em três formas, a coragem, a prudência
e a perseverança. Conação é o termo empregado na psicologia contemporânea.
POLITIQUE I,724; COELHO,1980,69,87
Ver cerebrais, funções
cerebrais, funções
A teoria das funções cerebrais
estuda a estrutura e a fisiologia das funções de relação no animal, mantido o
nome de funções da alma. Alma não tem aí
a acepção metafísica.
POLITIQUE, I,679; COELHO, 1980,35
Ver Tableau de l’Âme, em anexo
cérebro
Conjunto de órgãos ou aparelho,
sede das funções animais de relação. Pode ser definido como “a dupla placenta entre o homem e a
humanidade”, ligando o indivíduo (1) ao
passado e (2) ao futuro, assim o
transformando no agente social objetivo do presente, operando em completa
liberdade.
POLITIQUE, I, 398,680; LETTRES À DIVERS, 233,283
Ver cerebrais-funções
ciência
Notar a definição clara de ciência
abstrata, que é “um conjunto de leis ou
relações imutáveis que regem o ser por seus acontecimentos ou fenômenos”. A
base mesma do processamento desse modelo está subordinada à subjetividade,
porque ele é construído artificialmente pelos humanos, por meio da abstração.
Nesse emprego da abstração o homem social encontrou uma constância
universal, intersubjetiva, no meio da variabilidade. Por isso
Tales de Mileto teria dito que
seu teorema dos ângulos era imutável, mesmo
se os deuses não o quisessem. E isso
confirmamos hoje, depois de muitos séculos.
POLITIQUE, I,424; CUPANI,1985,p.101,105
cívico
Relativo a pátria, o segundo grau
importante do sentimento grupal ou do altruísmo, da sociabilidade, que se
inicia no evolver afetivo com a associação doméstica, depois se torna cívica e
mais tarde universal ou planetária, da raça humana. Essa é a lei da evolução
dos sentimentos.
POLITIQUE, IV,177
Clotilde de Vaux
Inspiradora de Augusto Comte, que
afirma a participação importante dela na segunda parte de sua carreira
filosófica, quando reconhece o pleno poder e o primado das emoções como função
dominante no comportamento humano e
quando descobre a principal conceituação sociológica da religião como o eterno
sistema coerente e completo de conhecimento, na necessária constante regência
filosófica da gnosiologia humana, em todos os tempos e lugares. O filósofo, que
procurava a verdade, encontrou, de fato, o amor, o sentimento social, ou, em
outras palavras, o altruísmo. Esse
sentimento que nem tinha nome antes de Comte e de Clotilde.
POLITIQUE, v.I, Prefácio,p.III
Ver altruísmo
coesão social
É o resultado da convergência
constante de comportamento na sociedade. Tem origem complexa, com base no
sentimento do altruísmo. Será da maior importância para a felicidade pessoal e
coletiva a capacidade de estimular a coesão, o que sempre se realizou por meio
da religiosidade, sob formas diferentes, em todos os tempos e lugares, em plena
liberdade. Pode-se avaliar a implicação
íntima da teoria sociológica e de sua aplicação na religião e na teoria da
afetividade da psicologia conteanas.
POLITIQUE, I, 364
Ver altruísmo, continuidade,
religião, solidariedade
comando
A separação entre o comando e a
riqueza só se deu na história com a crise da modernidade, no fim da Idade
Média. Uma reorganização social acabaria
esse divórcio anormal, pela reconstrução filosófica, sem violência .
APELO,155,166,193
conação ou caráter
Conação é termo contemporâneo,
não empregado por Comte.
Ver caráter
concepção
Função intelectual compreendendo
a contemplação e a meditação, como se verifica na teoria da personalidade e na
teoria cerebral.
POLITIQUE, I,717
Ver cerebrais-funções; ver Tableau de l’Âme, anexo
concreto
O estudo do ser real é definido
como concreto, de entes singulares,
apresentando um conjunto de acontecimentos ou fenômenos simultâneos e
sucessivos. As imagens externas
fornecidas pelos sentidos e as imagens internas reconstruídas referentes aos seres
são chamadas de “imagens concretas”. Ao
contrário, as imagens referentes aos fenômenos
ou acontecimentos separados do ser, são “imagens
abstratas”.
POLITIQUE, I, 424, IV,170
Ver abstração
conhecimento
Conjunto de registros concretos e
abstratos sobre o mundo e sobre o humano,
para sua representação (ciência), para
sua idealização (arte),
mais os que se destinam à ação prática (técnica). Denomina-se aqui a gnosiologia como a teoria
sistemática do conhecimento em todas as suas formas, na arte, na ciência e na praxis,
como constituindo uma completa enciclopédia, de que a epistemologia, como teoria do saber científico, constitui
apenas um capítulo. A ciência é a
escada, não é a morada. Lei dos 3 estados: cada ramo do conhecimento passa por
3 estados: teológico, metafísico e positivo.
Há 3 estados também para a afeição e para a técnica, na praxis.
POLITIQUE, IV,247
Ver afeição, gnosiologia, técnica.
consciência
É a mais nobre e mais eficiente
das forças morais, decorrente da combinação dos sentimentos com a razão para
corrigir a ação. Tomar consciência é a simbolização a posteriori do resultado
desse processo, realizado a nível não consciente. Como percepção das sensações interiores na pessoa, foi tida a consciência como
manifestação da divindade ou de poderes ontológicos. Rousseau a chamou de instinto divino, juiz
infalível do bem e do mal, na forma de um ente metafísico.
POLITIQUE, IV,219,334;
COELHO,1980, 47,85; LINS,1965,221
Ver cerebrais, cérebro, conação,
contemplação
Função intelectual de percepção
do mundo exterior, que pode ser contemplação concreta ou contemplação abstrata.
A percepção do ser é concreta, isto é, em que seus atributos são considerados
em conjunto, sinteticamente. A
contemplação abstrata separa os acontecimentos ou fenômenos de sua sede nos
seres, tomados subjetivamente à parte.
POLITIQUE I,717
Ver abstração
continuidade
É a principal e exclusiva
característica do ser humano, a convergência dos esforços de gerações sucessivas,
com o culto dos antepassados. É a
cooperação sucessiva, ao passo que a solidariedade é a cooperação inter-vivos,
simultânea. A continuidade não existe ou
não é por nós percebida entre os membros das espécies animais.
POLITIQUE, I,364
Ver sociedade, solidariedade
coração
Órgão de acionamento na
circulação do sangue. Era tida como a sede dos sentimentos, hoje
comprovadamente localizados no cérebro. A palavra é mantida em uso por Comte,
para indicar a afetividade. “Felizmente ambígua”, significa ternura para a
mulher, e coragem para o homem.
POLITIQUE,108,266,684
Ver ambigüidade
crise da modernidade
É a situação revolucionária que
se apresenta na sociedade ocidental com o fim da civilização medieval. É a doença ocidental, uma alienação que
conduz o conjunto da população a uma revolta contra o passado humano,
incoerentemente sonhando com um futuro melhor.
A crise é de caráter filosófico, portanto sua solução deve ser filosófica. E não apenas
material, política.
POLITIQUE, II, 458; III, 583
culto
Veneração prestada a fetiches e a
deuses, resultando na espontânea educação afetiva dos crentes. A instituição sincera desse tributo
corresponde à subordinação do ser humano a um poder superior, que, aceito pela
comunidade, resulta na criação de uma classe votada à coordenação das opiniões
comuns, ou seja da filosofia em cada época, constituindo o sacerdócio. O culto é a mais importante parte da teoria
do conhecimento, da gnosiologia, completamente ignorada por pensadores
contemporâneos, que assim abandonam o aspecto mais nobre, mais forte e mais
importante da existência humana, o sentimento. Sem reconhecer o sentimento, só
o totalitarismo parece ser a solução para a crise da modernidade, com o
sacrifício das liberdades humanas. A
arte, ao idealizar a realidade, tornou-se sempre na evolução histórica a grande
contribuição para a efetividade no culto e para a popularização da filosofia,
conduzindo ao consenso e à harmonia pessoal e grupal.
POLITIQUE, I,274,403
Ver arte, estética, utopia
dedução
Função intelectual realizada pela
meditação dedutiva, subjetivamente tirando dos elementos induzidos os conceitos
correspondentes. É impossível deduzir sem previamente induzir. Em matemática as induções são muito simples,
mas as deduções que a caracterizam só podem ser feitas a partir dos dados muito
simples obtidos por indução. Não seria, então, puramente axiomática.
POLITIQUE, I,719
Ver indução
deísmo
A descrença nas doutrinas dos
deuses leva a tirar-lhes o caráter antropomórfico, criando uma causalidade
ontológica vaga, imprecisa, como no panteísmo ou no ateísmo. Mas persiste a pesquisa das vontades arbitrárias
como causas primeiras, sob falso aspecto impessoal científico, permanecendo o
estudo prisioneiro às mesmas questões absolutas do teísmo.
POLITIQUE, III,533
democracia
A escolha dos superiores pelos
inferiores é questionável, quando tomada como forma absoluta e dotada de
infalibilidade da escolha política, na
democracia pura, onde “a voz do Povo é a
voz de Deus”. Comte recomenda o
uso cauteloso do processo eleitoral, rejeitando-o como panacéia política , por
isso dizendo-se ser um “não democrata”. No questionamento do voto veja-se “paradoxo de Condorcet” e “teorema de Arrow”. Democracia, hoje, pode ter o significado de
governo com liberdade e justiça, com a mínima intervenção no mercado, com a
sucessão política e econômica não hereditária.
Comte, tal como um democrata de nossos dias, recomenda eleições
para uma assembléia orçamentária representativa.
POLITY, IV,395; ARROW,1970;
HEAP,1992
“O termo Democracia,
deve ser eliminado, como vago, impróprio e subversivo”.
destino
Definido como o conjunto das leis
conhecidas. Seria diferente do conceito de “azar”, o aleatório, das leis
desconhecidas.
POLITIQUE, IV, 191; CATECISMO, p.3
determinismo
As leis científicas abstratas
determinam relações fixas imutáveis: --- no entanto, quanto mais complexos os
fenômenos, mais modificáveis se tornam.
As alterações se dão na intensidade das variáveis, e as leis indicam a
forma de modificação a adotar. O
conhecimento das leis liberta,
porque a ciência nos assegura o êxito, diz Aristóteles: a ignorância nos leva ao azar, ao
aleatório. Nesse sentido, o determinismo
é libertador.
POLITIQUE, I,713
deuses
Somente após longa vivência os
povos primitivos se tornaram capazes de fazer abstração e de generalizar, isto
é, de reconhecer os atributos do ser em
separado do ser. Jean Piaget provou experimentalmente o mesmo
com as crianças. Só tardiamente,
portanto, puderam as populações humanas formar a idéia abstrata de deuses
capazes de explicar o mundo e o humano. Os humanos foram espontaneamente tutelados
durante muitos milênios por esses seres maravilhosos, tanto concretos, como os
fetiches, como abstratos, capazes de reuni-los mais tarde em grandes
civilizações, conduzindo-os na extensa carreira da evolução social, em crescente
liberdade, mesmo na mais primitiva selvageria.
Mas a ruptura da civilização medieval conduz o ocidente em nossos dias a
uma crise decorrente da decadência do poder filosófico. Para que uma filosofia se torne um sistema, é
necessário um centro referencial que lhe dê coesão, um ser supremo, um
deus. Na modernidade tudo é
referido ao humano, mas ao humano em sociedade.
A sociedade seria, para Augusto Comte, o novo ente supremo, le nouveau dieu.
COURS, I,4 POLITIQUE, I,329,342
dever
O reconhecimento do enorme poder
do organismo social sobre os humanos explica o dever dos indivíduos para com a
sociedade que os gera, educa e protege sob sucessivas gerações. O indivíduo isolado da sociedade não existe,
é uma abstração: --- esse agente social, o indivíduo, deve tudo de seu ser ao grande ente social, a
humanidade. Essa é a fonte imperiosa e
demonstrável do dever e da felicidade no sentimento social, no altruísmo.
POLITIQUE IV,324.
Ver sociedade
dinâmico
O estudo através do tempo,
em sucessão, em diacronia, se diferencia
do estudo estático, em equilíbrio, de estrutura, simultâneo, de semelhança na sincronia.
POLITIQUE, I, 487,495
direito
As garantias
individuais das normas de direito resultam da reciprocidade de deveres
na sociedade; cada um tem
obrigações para com todos. A liberdade é um direito indispensável à vida em
sociedade, em todos os tempos e lugares, com a independência individual e o
concurso voluntário. Essa é uma
original teoria da liberdade humana de Comte.
POLITIQUE, I,361
ditadura
Nome que hoje designa
sempre tirania, regime político sem liberdades.
O termo foi usado por Comte para significar um presidencialismo
democrático , não parlamentar, não hereditário, com as mais amplas
liberdades. É a palavra que causa os
mais lamentáveis enganos a leitores desatentos.
Apóstolo da liberdade, Augusto Comte jamais propôs um regime tirânico,
totalitário.
POLITIQUE, IV,342
Ver
presidencialismo
dogma
É o conteúdo de
um conceito, diferente de seu estudo histórico, em seu desenvolvimento dinâmico
ou diacrônico. Não implica sempre em dogma absoluto, imutável, constantemente
notado em noções filosóficas da antigüidade.
O absolutismo do dogma é uma de suas formas. Os “dogmas” modernos são
relativos, perfectíveis, demonstráveis, próprios para debate.
COURS, I,77
ecumênico
A aliança de todas as religiões é
recomendada por Comte, numa liga ecumênica ampla, não apenas cristã, evitando a
disputa entre instituições que devem unir
os humanos, por meios diversos, e não
separá-los. As formas diferem, mas o
objetivo e o resultado é o mesmo.
APPEL,74
egoísmo
Sentimento que leva o animal a
agir em favor de si próprio, como no caso da auto-preservação. Antônimo perfeito de altruísmo.
POLITIQUE, I, 69,91
Ver altruísmo
emancipação teológica
Libertação relativa a conceitos
teístas e ontológico-metafísicos, para explicação filosófica. Sem uma completa emancipação quanto a
preconceitos absolutos, torna-se impossível o estudo equilibrado dos diversos
sistemas religiosos e, portanto, da filosofia na modernidade.
POLITIQUE, I,46
Ver gnosiologia
empírico
Comte dá o significado de
empírico como “não filosófico”, a estudos em que as relações mais gerais do
saber, filosóficas, são ignoradas, com excesso de objetivismo. A observação
empírica é realizada, mas seus resultados não são processados subjetivamente,
com passividade do observador, incapaz de estabelecer relações entre os dados
obtidos, descobrindo leis e princípios mais gerais, num factualismo rústico. É
o vício oposto ao excesso de subjetivismo, no misticismo. O empirismo tende para a idiotia, ao passo
que o misticismo tende para a loucura.
POLITIQUE, II, 166; III, 24
Ver idiotia, loucura
enciclopedistas
Colaboradores da Enciclopédia de
Diderot e d’Alambert, formando uma escola filosófica emancipada de superstição
para construção doutrinária em bases firmes da verificabilidade. Pertencem ao
“Erklärung”, ao século das luzes, ao iluminismo.
Ver ceticismo
entendimento
É o conjunto das funções
intelectuais, ou da razão: orientam a
decisão do animal em sua vida de relação, estabelecendo com o trabalho mental
complexo, a coordenação entre a sensibilidade e a contractilidade.
Ver espírito, razão
escolástica
Introduziu a filosofia metafísica
aristotélica naturalista entre os teólogos católicos. Contribuiu para o estudo das ciências
naturais, para a queda da feudalidade e para o advento da modernidade.
COURS
V,555; VI,294; POLITIQUE,
III,411
espírito
Significa o conjunto das funções
cerebrais da inteligência: o espírito é
o ministro do coração, a quem serve. A
palavra perde o sentido ontológico e mítico, sendo objeto de pesquisa empírica
de rigor na psicologia moderna.
POLITIQUE I,714
espiritual,
poder
É o governo das opiniões, pelo
prestígio filosófico, em liberdade.
Existe em todas as sociedades, ficando na antigüidade sempre unido ao
poder político, temporal. Na Idade Média
o catolicismo, pela primeira vez na história, separou o governo espiritual do poder
temporal, por ficar o poder material então dividido em cada feudo. A ditadura e a tirania não podem substituir a
filosofia no governo da opinião sob plena liberdade.
POLITIQUE, IV, apêndice,176
Ver temporal, poder
espiritualismo
É o vício filosófico de
subordinar os fenômenos mais simples aos mais complexos, supondo que os santos
homens possam vencer a lei da gravidade, ou possam restituir a vida aos
mortos. É o inverso do vício do
materialismo, que reduz os acontecimentos mais nobres aos mais simples, o
social e psicológico ao econômico, a vida ao mecanicismo.
POLITIQUE I,439
Estado
É o governo coordenador das
necessidades materiais da sociedade e não constitui por si só a própria
sociedade. Questiona-se porque o mando está separado da riqueza na modernidade, desde quando isso ocorreu e
quais as causas dessa ruptura. E se será melhor colocar nas mesmas mãos o mando
e a riqueza, em união harmônica e saber como consegui-lo mantendo a liberdade e
as condições dignas para o trabalhador.
Esse governo material deve assegurar as liberdades públicas, ao ser
mantido afastado do controle da opinião pública.
POLITIQUE, IV, 65
Ver patriciado
estética
É a teoria da arte, domínio da
filosofia concebido como o emprego intelectual da comunicação para embelezar idealmente o ser,
ao passo que a ciência se propõe a representá-lo com aproximação relativa. Na crise da modernidade, na ausência de
coerência doutrinária, perdido o centro sistêmico, perdido o ser supremo,
torna-se impossível definir o destino da estética: torna-se... “a arte pela arte”.
Ver arte, utopia
estrutura
A consideração estática, abstraindo a variável tempo, permite o estudo
simplificado do arranjo, da ordem, da anatomia , permitindo o descobrir as
relações de semelhança, em sincronia. O estruturalismo moderno apresenta-se
incapaz de reconhecer o processo dinâmico, tido como ininteligível, apresentando
apenas descrições estáticas, tanto em lingüística como em antropologia,
conforme Boudon e Bourricaud. Isso poderá ser notado em Saussure, em
Lévy-Strauss e em Foucault. Muito antes
de Saussure, Comte havia estabelecido clara e nitidamente em generalidade, o
conceito de estático e de dinâmico, ou isocronia e diacronia. Que corresponde a
ordem e progresso.
Boudon,1993: verbete estruturalismo
Ver ordem, progresso
evolução
O aperfeiçoamento pela evolução
pressupõe a imperfeição, comprovando o caráter relativo e mutante do
conhecimento, já que as noções absolutas seriam perfeitas e eternas, fechadas à
mudança. É importante notar que a
evolução da raça humana é reproduzida em curto prazo pela evolução de cada
criança, passando do andar quadrúpede para o andar ereto, da animalidade muda e iletrada para o humano
civilizado. Essa é a demonstração,
repetida cada dia, da dependência e do débito do indivíduo em relação à
sociedade. O indivíduo isolado não seria
por nós reconhecido como humano. E essa
evolução incessante prova que a mutação é a norma na doutrina definitiva do
conhecimento moderno, na nova filosofia
do saber positivo: a lei definitiva é a mutação.
POLITIQUE, II, 429
Ver humano, imutabilidade, sociedade
experiência
O emprego da experimentação
constitui o método preponderante no estudo dos fenômenos da física, berço
natural do espírito indutivo. Não há
oposição entre a experiência e a razão:
a razão emprega a experiência e a imaginação para a produção do
conhecimento.
POLITIQUE I, 519
explicação
As causas primeiras e finais
dariam a explicação para as mais importantes questões humanas, por meio de
vontades arbitrárias, absolutas. As leis
abstratas das ciências são incompatíveis com as vontades absolutas, por
fornecerem explicações por meio de relações conhecidas, verificáveis,
reproduzíveis, universais ou intersubjetivas. Relações entre os acontecimentos,
entre os fenômenos.
POLITIQUE I,47
fé
Confiança em hipóteses apresentadas ou imaginadas, a fé é
sempre necessária para preparação do plano de estudo ou de ação, precedendo,
dessa forma, em cada um de nossos atos, o conhecimento seguro,
verificável. Nem sempre, no tempo e no
espaço, é possível e desejável verificar com antecedência ou rapidez as
suposições feitas. Por isso é certo que “a razão deve seguir a fé, não precedê-la, nem
infringi-la”, como disse Tomás de Kempis, na Imitação de Cristo. A fé é uma hipótese, comportando-se conforme
a lei-mater de filosofia primeira.
SÍNTESE, epígrafe, p. III; KEMPIS,1948,livro IV, cap.XVIII
Ver filosofia primeira, hipótese
felicidade
Se os humanos são espontaneamente
altruístas, dotados por natureza de sentimentos associativos, a satisfação
desse afeto leva à felicidade. Notar que o exercício de qualquer das funções
animais conduz ao prazer. O predomínio
do egoísmo exclui outros sentimentos, levando ao conflito --- mas os instintos
sociais, altruístas, não são excludentes---
constituem-se no dever e na felicidade na vida social.
POLITIQUE, I,700; IV,324
fenômeno
É o acontecimento, o que aparece
no ser, estudado com abstração de sua fonte, considerado no modelo
subjetivo, ideal, imaginário, não concreto.
A ciência pura se constitui de leis abstratas sobre os fenômenos, em
generalidade, leis impossíveis de conhecer devido à complexidade do ser
concreto.
COURS, I,70
fetichismo
É historicamente a primeira
maneira de filosofar, de explicar o mundo e o humano, constituindo a forma mais
simples de religião, em sua gnosiologia da concretude, com uma causalidade
direta, sem as vontades mediadoras, de deuses ou de entes causais.
POLITIQUE, III,78
Ver deuses, gnosiologia
filosofia
Cada sistema religioso tem uma doutrina
intelectual básica: - é a sua filosofia,
encontrada nas mais primitivas populações, muito antes dos gregos, desde épocas
imemoriais, desde que os humanos
começaram a pensar e a descobrir conceitos gerais rudimentares
constantes. A filosofia na Grécia
antiga se apresenta em destaque, por estar libertada do corpo sacerdotal da
teocracia, onde o sistema intelectual se tornava anônimo, fechado na casta
religiosa que dominava os guerreiros. Essa libertação ocorreu porque o
politeísmo grego resultou do predomínio militar sobre o sacerdócio
teocrático. Filosofia é a explicação
do mundo e do humano, encontrada sob muitas formas, desde as mais primitivas
populações. Inclui a busca de princípios
gerais, capazes de dar unidade ao saber, necessária para estabelecer o
consenso, para a coerência do indivíduo e do grupo: ---é a razão por que a generalização
em forma de sistema sempre foi preocupação dos filósofos. Sem a unidade mental não existiria
coordenação grupal.
COURS,2-481; MARTINEAU,
II,414
Ver gnosiologia
filosofia primeira
Conjunto de princípios fundantes
gerais propostos como válidos em todo o saber, formando uma base epistemológica
clara e distinta. Consiste em 15 leis
gerais do conhecimento.
POLITIQUE, IV,173
filosofia segunda
É o conjunto das ciências abstratas
ou puras, em sete degraus: matemática,
astronomia, física, química, biologia, sociologia e psicologia. Esse embasamento
deve ter grande simplificação de conteúdo, por não incluir a aplicação desses
conceitos abstratos, consistindo, portanto, em notável construção didática,
completa, mas em configuração mínima. Não
pressupõe interdição à especialização
científica, nem à sua aplicação na praxis :
mas o estudo puramente abstrato pode ser feito em caráter enciclopédico,
com um único professor, desde que sejam inicial e provisoriamente abstraídos os
pormenores da concretude.
POLITIQUE, IV,245
filosofia terceira
Consiste na enciclopédia prática,
abrangendo a aplicação do saber abstrato às várias especializações concretas. A
mais importante e complexa é a educação, uma das artes psicológicas, seguida da
política, uma das artes sociológicas.
POLITIQUE, IV,247
Ver o quadro dos conhecimentos,
da gnosiologia, em anexo
filósofo
É o agente humano responsável
pelo governo em liberdade da opinião ou do conselho, em geral obtendo por isso
o poder de consagração social, como visto sempre na evolução das diferentes
religiões do passado, sem violência.
APELO,132
física
Estudo da natureza. A física
newtoniana parece continuar comprovada e aplicada. Diz Comte que “a lei de Newton não vale para toda
distância, nem a lei de Mariotte para toda pressão”. A imutabilidade das leis é relativa,
contingenciada, pelas condições prévias estabelecidas na experimentação, e não
uma revelação dogmática absoluta.
POLITIQUE, II, 32, 33
física moderna
Em debate a derrubada da física
clássica e de toda ciência pela teoria da relatividade e da física
quântica. Sem a causalidade científica,
a gnosiologia conteanas perderia validade.
Na opinião de Bunge a mecânica quântica pode ter decepcionado aqueles
que pensaram descobrir ali a indeterminação, levando-os a um possível engano e
confusão, conforme a interpretação de Broglie-Bohm mantendo a determinação das
trajetórias das partículas em escala atômica.
FRANK,1953, 212; BUNGE,1965, 36l, 364
física social
Expressão inicialmente usada por
Comte para o estudo em abstrato das relações sociais. Esse nome composto jamais indicou que o
filósofo então proporia a mecanização materialista da ciência social; pelo contrário, uma nova metodologia com
rigor científico seria empregada, agora não mais de caráter analítico, mas de
feição sintética, o método subjetivo, partindo do todo para as partes, com base
numa filosofia da história verificável.
COURS, IV,252;
COMTE,1972,133
Ver método subjetivo, sociedade, sociologia
futuro
O estudo dinâmico da sociedade
por meio da filosofia da história poderia dar,
no plano abstrato, uma antevisão
aproximada do porvir, com base no passado, para estabelecer a ação no presente. Dessa forma poder-se-ia pensar em leis
históricas.
POLITIQUE, III,p. 1; BUNGE,1965,p.282
gnosiologia
Teoria de todo o conhecimento em
geral, elaborada em forma de sistema, ou síntese filosófica em torno de uma
causa final, para a explicação do mundo exterior e do humano, para a
compreensão e ação no domínio dos sentimentos, da razão e da praxis, ou seja na
arte, na filosofia e na técnica. Notar
que historicamente cada civilização, em seu tempo e lugar, apresenta o seu
sistema gnosiológico, sinônimo de religião, ou de sistema de educação, contendo
as suas próprias verdades, relativas à situação, numa síntese coerente
necessária para dar coesão social à vida do agrupamento, em convergência, com
liberdade e independência individual.
Esse é o importante caráter orgânico de uma doutrina. O grande sistema de filosofia em cada época e
em cada lugar é condição necessária para a organização social, em que cada
pessoa cumpre com independência e prazer seu concurso, sua função no
grupo. A ruptura do sistema feudal no
século XIV desencadeou a crise da modernidade, ao divergir a razão da fé, vale
dizer ao cindir a filosofia da religião.
A ruptura do sistema tende a destruir a unidade ou a convergência do
grupo social, sendo, portanto, uma situação anômala, provisória, na longa
vivência histórica da raça.. Há falta,
então do telos para a coordenação da atividade individual e grupal, sempre cada
vez mais especializada, independente, espontânea e incoerente. É impossível colocar a ditadura ou tirania no
lugar da gnosiologia, o domínio privilegiado do filósofo e da liberdade.
POLITIQUE, II,p.7 e seguintes
Ver religião; ver o quadro
sintético das concepções, em anexo.
governo
Historicamente verifica-se que
não há sociedade sem governo, em suas duas formas: o governo espiritual,
de opiniões, de consciência e o governo temporal, que
regula a ação dos humanos.
POLITIQUE, II, 194, 315
Ver espiritual, temporal
habilidade
É impossível transmitir a
habilidade sem a experiência sensível própria na participação individual: - não
se pode aprender a nadar por ouvir um discurso sobre a arte da natação. É a
regra do aprender a fazer, fazendo, pelo método direto. Não se aprenderia a pensar senão pelo exercício de pensar, o que nos permite uma
crítica dos tratados de lógica, sem que sejam eles decerto, inúteis. Por isso
o método é inseparável da doutrina.
O exercício completo da habilidade indutiva e dedutiva deve ser feito
por meio do estudo da escala científica abstrata completa, onde se encontram as
várias formas dos métodos lógicos conhecidos.
Daí a regra de que será necessário saber matemática para pesquisar
sociologia e psicologia. E, também, certamente,
para fazer filosofia, que seria, então, uma habilidade muito pessoal e muito
complexa .
POLITIQUE, IV, 183
Ver método
heresias
São impossíveis no politeísmo,
mas sempre presentes nas religiões do monoteísmo. São Paulo diz que é bom que haja heresias. Brunetière pensava utilizar as heresias
conteanas para revitalizar o catolicismo.
COURS, V,536; S.PAULO, I Coríntios, 11,19
BRUNETIÈRE,1905,p.XX
hipótese
Na epistemologia de Comte todo o
saber é uma hipótese, que, por aproximação, atende às condições da questão
colocada. Por isso o conhecimento se
relaciona, é relativo, contingenciado.
A verdade, pois, é definitivamente mutável, em razão da constante
mudança dos dados conhecidos. Essa a
filosofia proposta: - o saber definitivo
no estado positivo é o reconhecer a mudança permanente. Porque perfectibilidade é indicativo de
imperfeição, implicada na possibilidade de evolução. Esse é o fundamento do saber humano, na
modéstia da relatividade agnóstica.
POLITIQUE, I,682, IV,173
Ver filosofia primeira
história
Pela pesquisa da evolução humana
propôs Comte uma filosofia da história verificável, base de sua sociologia,
construída sobre a identificação das funções sociais e dos órgãos
correspondentes. Dos materiais
registrados nos anais da história é que seria possível ler o grande romance da
evolução da raça humana, para descobrir suas relações sociais e
identificar o mais real dos seres: --- a
sociedade, que cria seus ídolos e seus deuses, de quem o indivíduo é o
importante agente independente e em liberdade, formando os indispensáveis elos
no tempo presente, e capaz de unir o passado ao futuro. A pesquisa das leis históricas é fundamental
para o embasamento de uma sociologia científica, infalível no plano abstrato,
reconhecidas as mais importantes relações entre as instituições e órgãos
sociais. As tendências e sua conceituação têm valor normativo sério e certo,
podendo determinar o sucesso ou o fracasso no estudo histórico e na aplicação
política efetiva. Como no erro político
grosseiro de tentar a eliminação do capital, da família, do mercado ou da
moeda.
POLITIQUE III,p.1;
BUNGE,1965,p.282
Ver afeição, conhecimento,
técnica, para suas respectivas evoluções na Lei dos 3 estados generalizada.
Hobbes
Justamente o precursor do liberalismo,
é colocado indevidamente como filósofo do autoritarismo por motivo de suas
críticas contundentes às doutrinas da medievalidade, de que foi importante
agente demolidor, função a que Espinosa e Bayle são associados.
COURS, VI,315; POLITIQUE
III,583,589
humano
Animal superior, hegemônico, suposto orgulhosa e
falsamente como o único dotado de inteligência na série viva. É a única raça que evoluiu pelo acúmulo do
saber e da habilidade, progresso só explicado pela veneração aos antepassados.
Essa seria a característica exclusivamente humana, já que os demais animais falam, pensam,
contam até 3 e planejam. Mas apresentam evolução de seus atributos
apenas no indivíduo durante a vida, chegando a uma solidariedade social. Mas não passam essa aprendizagem às gerações
sucessivas, por falta de veneração pelos antepassados, que leva à continuidade,
à convergência ao longo do tempo, com a fixação e com o aperfeiçoamento do
saber.
LEROY,1896,105,123,127,208
Ver continuidade
humanidade
A palavra tem uma feliz
ambigüidade --- “équivoque”, --- designando a maior extensão do afeto e também
a raça animal onde ele melhor se desenvolve.
Esse ente coletivo forma e dirige em liberdade cada indivíduo,
elevando-o da mais bárbara condição de animalidade até o notável estágio de
progresso da modernidade. Inicialmente
quadrúpede, sem fala e iletrado, por evolução em sociedade, lentamente, o
indivíduo humano, somente em nossos dias, consegue ver, com modéstia, a
imensidão do progresso percorrido. E
somente agora pode reconhecer com serenidade os perigos enormes a que está
sujeito, pode verificar como está subordinado a numerosas contingências
externas e internas e do quão pequena é a sua vida, sua ciência e sua
filosofia. Além de ser capaz, ainda,
apenas, de um modesto saber relativo, contingenciado, em mutação, altamente
perecível. O ser social é o único real: ele é o centro empiricamente verificável de
toda a vida humana, em todos os tempos, embora só tardiamente identificado pela
ciência social. Seria, então, a nova
causa final. Seria o Nouveau Dieu, a
quem todos os outros deuses serviram e servem, para quem os humanos sempre
trabalharam, filosofaram e amaram, como o destino permanente da vida
social. E tornar-se-ia, então, o telos consciente, agora descoberto na filosofia
da nova civilização a suceder a filosofia da medievalidade.
POLITIQUE, I,703;
MALSON,1967
Ver indivíduo, sociedade, vontade
idiotia
Predomínio das imagens exteriores
da percepção sensorial sobre as imagens interiores, sob a passividade da
concepção. É o vício inverso à loucura,
em que predominam as imagens interiores.
POLITIQUE, III,24
igualdade
Na organização social, com a
especialização, tornam-se cada vez mais diferenciados os agentes individuais,
tornando-se, logo, pessoas desiguais. Na
crise moderna, a busca necessária de dignidade para a condição do trabalhador
não deve ser confundida com o ideal impossível de nivelamento. A dignidade, as condições de vida, de
conforto, devem oferecer um mínimo admissível, para todos os trabalhadores. Mas as funções serão forçosamente
diferentes. Os privilégios devem acabar,
mas as tarefas e os agentes deverão atender a missões específicas,
estabelecidas em liberdade com diferenciação crescente, estimulada e suscitada
a multiplicidade, a livre concorrência e
a desigualdade, em benefício do grupo social.
POLITIQUE, II,74
Ver patriciado
imagem
A mente percebe imagens
exteriores, através dos sentidos e reproduz essas imagens voluntariamente,
modificadas, internamente, em seu aparelho cerebral. O equilíbrio entre essas imagens exige que as
sensações exteriores sejam mais nítidas do que as reproduzidas internamente,
para que o indivíduo perceba a diferença.
Se houver pouca atividade cerebral, as imagens externas prevalecem,
formando um estado passivo da mente, tendendo ao estado de idiotia. Se, pelo contrário, as imagens interiores se
exacerbam, e as imagens externas se empalidecem, forma-se a tendência à
loucura.
POLITIQUE, IV,176
Ver idiotia, loucura
imutabilidade
Pode-se comprovar uma certa imutabilidade
relacional aproximada entre os acontecimentos, na forma de leis ou razões
imutáveis percebidas em teoria, a nível de abstração, entre os fenômenos,
tomadas em separado do ser. Portanto, as
leis abstratas regem o ser por seus fenômenos ou acontecimentos. Embora as relações sejam imutáveis, a
modificação dos fenômenos e dos seres é efetuada na intensidade das variáveis,
sendo os seres e os fenômenos mais complexos aqueles mais modificáveis. Mas essa imutabilidade é apenas relacional e
perfectível, apenas aproximada, nada tendo de absoluto.
POLITIQUE, II,429;
IV,174
Ver lei
inato
Verifica-se em psicologia que a estrutura
do entendimento é inata, como anterior à experiência, ao passo que o produto do
trabalho mental é elaborado sempre apenas com informações elementares
adquiridas, isto é, que entram pelos sentidos, a posteriori da
experiência. Mas o resultado não é
puramente composto dos necessários dados sensíveis, resultando do processamento
desses elementos pelo aparelho cerebral.
POLITIQUE, IV176
incognoscível
Os conceitos inverificáveis não
podem ser confirmados nem negados. Eles
fogem ao teste da dúvida sistemática, e não podem ser conhecidos com segurança:
--- assim são os mitos, indispensáveis às populações primitivas e mesmo em
nossos dias, dependendo das necessidades lógicas e gosto pessoal. A explicação filosófica pela causalidade
mítica é feita por meio da vontade arbitrária dos fetiches, dos entes ou dos
deuses e é conflitante com a causalidade e com a explicação fornecida pelas
relações científicas ou leis fixas abstratas, comprovadas, de valor universal,
intersubjetiva, embora aproximada.
POLITIQUE, IV,174
indeterminação
É a impossibilidade da
causalidade científica suposta por Heisenberg na física sub-atômica.
BUNGE,1965,p.360
Ver física, física moderna
indivíduo
Isolado da sociedade o indivíduo
não existe, é uma abstração. Porque fora da sociedade o indivíduo morre. Porque
a pessoa humana recebe o produto de uma longa evolução social multissecular,
por meio de uma formação educativa, desenvolvida e transmitida pelos órgãos
sociais, antes pela família, depois na escola e na vida profissional. Mas a atividade efetiva no presente é sempre
realizada individualmente pelo agente em pessoa, sob as condições de
necessidade do ente social, em suas formas associativas, na família, nos grupos
de trabalho, no âmbito cívico, no plano internacional, cada vez mais em
condição de independência e de plena liberdade. A sociedade não se compõe de
indivíduos, mas de unidades grupais, a menor delas sendo a família, a célula
social. O cérebro do indivíduo opera
como se fosse uma dupla placenta espiritual ligando e regulando o ser humano ao
passado e ao futuro.
POLITIQUE, I, 398,703
Ver cérebro,
humanidade
indução
O espírito filosófico moderno é
mais caracterizado pela indução do que pela dedução, com a subordinação do
raciocínio à observação, mas sem redução do pensar à pura indução. Só por meio
da indução sensível é possível a criação do saber. No campo mais simples da matemática, as observações são tão fáceis que parecem não existir, como
se esse saber fosse pura e arbitrariamente axiomático. Em cada ciência a indução é feita
predominantemente por métodos específicos não exclusivos.
POLITIQUE, I,517
Ver dedução, método
inteligência
É a aptidão que permite ao animal
modificar sua conduta de acordo com as circunstâncias, em cada ocasião. O uso da razão deve fazê-la o ministro do
sentimento, não o seu escravo, nem seu senhor. Constitui das mais fracas
funções dos humanos.
COURS, III,784;
POLITIQUE, I,680,714
introspecção
Observação simultânea pelo sujeito de seu próprio trabalho mental,
de realização impossível. O método subjetivo proposto por Comte não corresponde
à introspecção.
POLITIQUE, IV,Appendice,218; CUPANI,1985,p.99,100
Ver indução, cérebro, cerebrais
intuição
Percepção extra-sensorial, não
verificável. A intuição sensorial,
empírica, é a indução. Comte não emprega
essa palavra que, por vezes, é empregada em nossos dias como indução.
POLITIQUE, IV, 176
Ver inato
lei
A lei científica abstrata é a
permanência dentro da variação dos acontecimentos ou fenômenos no ser. Relação constante aproximada entre fenômenos, infalível, imutável, mas somente no modelo
subjetivo da abstração. O conjunto das leis abstratas constitui a causalidade
moderna, relativa, dando o “porque” relativado dos eventos, como causas de
segundo grau, já que as causas primeiras absolutas fogem à verificação
empírica. As leis abstratas também levam
ao conhecimento de uma causalidade
final, teleológica, na sociologia: só o social é real. Um novo sistema filosófico pode ser
construído em bases demonstráveis não absolutas, em torno dos fins sociais
dotados de atributo imperativo.
POLITIQUE, II,41
Ver afeição, conhecimento,
técnica, para a evolução na Lei dos 3 estados.
liberdade
Verifica-se ao longo da história
que os humanos evoluem em condição de crescente liberdade, dentro da comunidade
grupal de sentimento e de pensamento em cada sistema religioso sucessivo. Na revolução da modernidade admite-se que só
em liberdade poderá ser elaborada e popularizada uma filosofia em novos moldes,
capaz de recriar o consenso e a unidade harmônica das épocas de plena
religiosidade. O sistema filosófico
comtiano é uma grande teoria geral da liberdade.
POLITIQUE, I,342
Ver espiritual, poder, religião
linguagem
Função básica elementar da
inteligência, exercida por órgão cerebral específico, estabelecendo a
comunicação entre os animais, com maior desenvolvimento entre os humanos. Na estrutura da sociedade constitui-se numa
instituição importante, estudada ao lado da família e da propriedade.
POLITIQUE, I,635;
II,216
Ver o quadro sinótico da
sociologia, anexo
lógica
O melhor exercício lógico na arte
do método dedutivo deve ser feito no estudo da matemática, ciência por isso
chamada de “lógica” por Comte. Para
aprender a pensar ou, o que é o mesmo, a filosofar, será necessário exercitar o
pensamento nos diversos métodos lógicos de cada ramo do saber.
POLITIQUE, I, 447
Ver habilidade,indução, método
loucura
Desequilíbrio em que as imagens
interiores produzidas pelo cérebro são mais nítidas e fortes do que as imagens
exteriores recebidas pelos sentidos, provocando a alucinação. Essa teoria foi explicada por Comte para demonstrar
sua própria recuperação após a violenta crise nervosa que sofreu ao iniciar a
redação do Cours de Philosophie Positive em 1826.
POLITIQUE, III,24
luta de classes
A evolução social persistente ao
longo da história é um relato da cooperação contínua e de progresso, como
resultante geral, notadas oscilações secundárias. Muitas ocasiões de conflito ocorrem entre as
classes dominantes, cujo equilíbrio é dificilmente mantido. O estudo do
surgimento das castas e das classes é mais importante do que o seu antagonismo.
PAULA-LOPES,1989,328
magia
Nome dado à crença nos fetiches,
ao fetichismo, em que os seres concretos todos seriam vivos, dotados de
atributos antropomórficos. No fetichismo
não há abstrações, nem deuses, nem almas.
POLITIQUE, III,115;
LEVY-STRAUSS,1970,254
Ver abstração, fetichismo
materialismo
É a redução de fenômenos
complexos a outros mais simples, como ao explicar como puro movimento mecânico
o complexo fenômeno da vida.
POLITIQUE, I,439
meditação
É a função cerebral que realiza
as combinações dos materiais obtidos pela percepção sensorial.
POLITIQUE I,717
Ver concepção,
ver Tableau de l’Âme anexo
memória
Capacidade de refazer as
sensações percebidas para reconstruir internamente situações passadas. Resulta do concurso de todas as funções da
razão, sendo, portanto um atributo complexo, e não uma função simples,
elementar.
POLITIQUE, I,711;
AUDIFFRENT,1869,136
metafísica
É definida como doutrina de
explicação causal por meio de entes de aparência científica, em substituição
aos poderes da causalidade divina, sem a sua personalização antropomórfica,
como nas entidades da alma, do éter, da natureza, da energia cósmica, da
consciência. A causalidade assim se
torna uma contradição em termos, por ser uma explicação cega, impessoal, ---
uma explicação não explicada. Essa
ontologia ora tem feição mais científica, ora mais mítica, como
necessário. Faz, assim, a transição sem
choques para a causalidade científica. Mas o feitio não verificável desse
conhecimento tem o grave defeito de impedir a previsão certa e confiável
necessária para dirigir a ação prática e também para as necessidades lógicas da
coerência do saber moderno. É o saber que promete a felicidade mais não pode
realizá-la.
COURS, I,4;
POLITIQUE, III,38
método
No conhecimento estão implicados o
método ou caminho e a doutrina ou conteúdo, que são inseparáveis. O método científico toma formas diversas, não
mutuamente excludentes, na indução necessária a toda e a cada categoria
fenomênica. O método dedutivo prevalece
em matemática, a observação em astronomia, a experimentação em física, a nomenclatura
em química, a comparação em biologia, a filiação histórica em sociologia e o método
subjetivo em psicologia. Só se aprendem os métodos ao empregá-los pessoalmente
no exercício do pensar ou filosofar. O
comentário não é filosofia.
POLITIQUE, IV,183,184
Ver habilidade
método analítico ou objetivo
É adequado nas ciências
inorgânicas, onde os fatos mais conhecidos são os eventos particulares. É elaborado a partir do conhecimento isolado
para depois formular conceitos gerais.
POLITIQUE, IV,Appendice 133 COMTE 1972,132
Ver método subjetivo
método objetivo
Ver método analítico
método subjetivo
No estudo dos fenômenos do ser organizado,
na biologia, na sociologia e na psicologia, o método objetivo, analítico, por
desintegrador, não pode ser usado com exclusividade. O método subjetivo parte do estudo do
conjunto para chegar ao estudo das partes: estuda as funções para a
determinação dos órgãos. Poderia ser
chamado de funcional ou dinâmico, sendo sempre verificável. Seu emprego não exclui o método objetivo,
antes o completa, sendo plenamente verificável, sem arbitrariedade.
POLITIQUE, I,447,542;
COMTE,1972,133
Ver método analítico
misticismo
Vício de imaginação em que, no
processo mental, as imagens interiores são mais vivas e mais nítidas do que as
imagens exteriores dos sentidos, dificultando a identificação da realidade.
POLITIQUE, III,24
Ver empírico, idiotia, loucura
moral
Nome dado por Augusto Comte à psicologia,
como “moral teórica”, à ciência abstrata do comportamento individual, a mais
complexa da escala científica. No tempo
de Comte a palavra psicologia tinha o significado escolástico de estudo
ontológico da alma sobrenatural, rejeitado pelo filósofo. Emprega ele também o termo “moral” ambiguamente como relativo às funções
afetivas. Não confundir a ciência Moral
com as normas de costumes, morus, no sentido usual. A moral teórica no vocabulário de Comte é a
psicologia, sendo a “moral prática” sua aplicação efetiva, como na educação e na
medicina.
POLITIQUE, II,55
morte
A morte, que encerra a vida de
todo ser vivo, é fator de progresso.
COURS, IV,635;
POLITIQUE, I,589
mulher
A ascensão da mulher na sociedade
caracterizará a nova civilização de paz e de indústria, com a preponderância da
psicologia científica. A mulher merecerá
um culto de adoração por parte de ambos os sexos.
APELO,52; POLITIQUE,
I,259
natureza
A sábia natureza é uma entidade
metafísica que explica acontecimentos diversos, consistindo numa causalidade
explicativa inverificável similar à da divindade.
POLITIQUE, III, 411; COELHO,1980,49
Ver escolástica
neutralidade
Não existe neutralidade na aplicação
da ciência. No âmbito da ciência
abstrata, a relação entre os fenômenos tanto pode ser usada para o bem como
para o mal, logo é neutra. “Para
completar as leis, são necessárias as vontades”, ou seja, nesse aforisma
comtiano, é necessária a ação, a aplicação prática.
POLITIQUE, IV, 65
Ver patriciado,
ver síntese, vontade
nominalismo
É o reconhecimento dos atributos,
dos fenômenos, como acontecimentos do ser, eventos que não existem fora do
próprio ser. São puros “nomes”. Essa foi a posição aristotélica, e depois a
de Roscelino e de Ockham.
POLITIQUE, III,391
Ver abstração, ciência
objetivismo
O estudo das ciências naturais é
objetivo e analítico, não podendo, por isso, constituir um sistema, só
realizável em torno de um centro divino ou de outro ente inteligente e humano,
ou subjetivo. O cientificismo
corresponde à tentativa impossível de formar um sistema de pensamento objetivo.
POLITIQUE, I,580
Ver objetivo, sujeito
objetivo
Refere-se ao mundo exterior, dos
objetos, observado pelos humanos, como sociedade. O saber moderno busca o equilíbrio entre as
noções simétricas de objetivo e subjetivo, conceitos cuja identificação
rigorosa se torna fundamental. O
conhecimento contém elementos objetivos e construções subjetivas, que não devem
ser ingenuamente confundidos.
POLITIQUE, I,5,443,582
Ver abstração,subjetividade,
sujeito
ontologia
Historicamente pode-se encontrar
o emprego de hipóteses explicativas por meio de
entes desde a transição do
fetichismo para a astrolatria. Embora
como ersatz do
teísmo, como substitutos, essas entidades desumanizadas, concorrentes da
causalidade antropomórfica dos deuses, se misturam em aparente harmonia com as
divindades na busca de explicação das causas primeiras e da natureza íntima do
ser. A dificuldade do saber ontológico é
que ele impede a previsão dos acontecimentos, em razão de não serem um conhecimento
verificável, mesmo sob uma aparência científica despersonalizada, como no caso
do materialismo histórico, do mecanicismo e de qualquer outro
materialismo. Por despersonalizadas, não
podem dar uma teleologia, sendo destruidoras do sistema do teísmo.
POLITIQUE, I,47;
III,38
Ver causa, metafísica
ordem
Ordem natural significa o arranjo,
a estruturação, a fixidez relacional abstrata verificada no ser e em seus
fenômenos. Ordem não é sinônimo de
tirania. A palavra tem sentido ambíguo, “équivoque” : ordem significa comando e a ordem significa arrumação,
ordenação. A ordem como comando se liga
no passado ao domínio absoluto das vontades divinas ou ontológicas, na
explicação das causas primeiras e do governo também absoluto pela violência.
Na modernidade, a ordem significa a convergência harmônica, em
liberdade, em ordenação feita sob a livre aceitação e subordinação ao
contingenciamento do mundo exterior, para sua modificação . A ordem então passa
a ser “democrática”.
POLITIQUE, II,469
paradoxo de Condorcet
Condorcet fez o estudo matemático
do processo de votação, demonstrando o paradoxo em que o processo eleitoral
apresenta incongruência lógica, por isso não refletindo a vontade coletiva,
como desejado. O mesmo foi verificado
recentemente por Kenneth Arrow em seu teorema da impossibilidade. Isso torna a democracia um sistema caracterizado
pela liberdade, probidade e justiça e não pelo processo eleitoral de escolha
dos superiores pelos inferiores.
POLITIQUE IV, 342
Ver democracia, teorema de Arrow
parlamentarismo
O governo pelas assembléias
corresponde à divisão da unidade de comando, e foi instituído na Inglaterra e
em Nápoles, onde prevaleceram os nobres sobre a realeza. O governo parlamentar é próprio para
aparentar uma falsa liberdade e um consenso irreal. Esses inconvenientes tornam instáveis os
regimes democráticos parlamentares nos países onde não exista uma nobreza
tradicional.
Ver presidencialismo
passado
Na teoria da história comprova-se
que o passado humano, por meio do conjunto de seres convergentes, construiu
essa cultura social monumental que se apresenta em nossos dias. A perfectibilidade do conhecimento indica a
contínua correção de enganos antigos, mas é com apoio no passado e suas lições
que devemos alcançar uma filosofia de ação pacífica, de coerência e de amor
social. A revolta contra o passado é uma
característica da crise da modernidade:
em seu lugar devemos colocar o estudo e a veneração pelas suas
instituições e por nossos antepassados.
POLITIQUE, I, 703
Ver humanidade
patriciado
Nome empregado por Comte para a
classe empresarial, a ser reorganizada pela ação da filosofia, de forma a
pensar e agir socializadamente, sob ampla liberdade e responsabilidade
pessoal. Ela jamais será extinta. Só assim condicionada poderá oferecer
dedicação ao trabalhador e merecerá dele receber sua sincera veneração. Após a passageira crise revolucionária do
ocidente, de longos seis séculos, seria refeita a união, sempre havida, no
passado, do poder com a riqueza, pela
vontade de um patriciado livre e responsável, sob a direção moral da classe
filosófica independente e sob a fiscalização do proletariado reorganizado na
forma de uma opinião pública em plena liberdade.
POLITIQUE IV,65; APELO,137
Ver humanidade, ver vontade
pensamento
É o emprego da razão, com o objetivo de formar uma representação
aproximada do mundo e do humano, cuja explicação define a filosofia. Com essa base pode-se obter a coerência ou
unidade, ligando a vida afetiva e a vida ativa ao destino social comum da raça
humana. A harmonia mental tem sua base
na subordinação do mundo interior ao mundo exterior. Pensar ou filosofar se
aprende pelo exercício, empregando os diversos métodos do saber. O pensamento
também forma a idealização da realidade, na estética.
POLITIQUE, II,382,383
Ver filosofia, habilidade, método
percepção
É a capacidade sensível, a sensibilidade,
que caracteriza os seres vivos animais, em conjunto com a contractilidade. Essas duas funções são coordenadas pelo
cérebro, o conjunto de órgãos do sistema nervoso central. Na tarefa de aperfeiçoar a sensibilidade
humana os instrumentos de ampliação da percepção tornam-se cada vez mais
eficientes, com potentes microscópios e
telescópios, com todos os equipamentos de medição e registro.
POLITIQUE, I,598,600
Ver contemplação, imagem, indução, sensação
perfectibilidade
A evolução da sociedade humana
comprova a sua perfectibilidade, ao mesmo tempo que pressupõe sua imperfeição
relativa, quanto a sentimentos, razão e praxis. A mutação passa a ser a regra
definitiva da filosofia positiva, verificada empiricamente certa constância
relacional a nível de saber abstrato fenomênico.
POLITIQUE, IV, 30
Ver evolução
personalidade
Os sentimentos egoístas são
chamados de instintos da personalidade.
A teoria da personalidade define as funções do trabalho cerebral no
indivíduo, da alma não mítica, na psicologia moderna.
POLITIQUE, I,91; COELHO,1980,35
placenta
O cérebro liga os humanos como se
fosse uma placenta informativa.
POLITIQUE, I, 398,680
Ver cérebro
poder
É o governo, indispensável à
sociedade. Há sempre o poder teórico ou espiritual e o poder material,
separados ou unidos. Não há sociedade sem governo.
POLITIQUE, II, 194, 315
Ver espiritual, governo, temporal
política
É a arte de governar, tanto as
ações como as opiniões. Deverá ser
guiada por um estudo abstrato da sociedade, a sociologia, capaz de elaborar o
projeto de governo mais adequado, obedecendo a princípios, leis ou tendências
firmes e certas, capazes de prever e determinar o sucesso ou o fracasso da ação
política. A aplicação da teoria
sociológica abstrata conduz à ciência política, como normatização do governo
social, para estabelecer o regime político mais adequado. Em política
reconhecem-se dois poderes: o temporal ou material e o poder espiritual, relativo às
opiniões. Esses poderes devem ser
independentes, para assegurar a indispensável liberdade. Separar os poderes em política assegura a liberdade
de consciência.
POLITIQUE, IV, Appendice,93
Ver espiritual,
ver liberdade, temporal-poder
positivismo
Em nossos dias é toda doutrina
sem mitos, verificável. Comte pretendeu
sistematizar uma filosofia sem superstição e sem privilégio, sem Deus nem rei,
para que houvesse certeza e universalidade no saber, independente dos autores
das doutrinas renovadoras, independente dele mesmo, para estabelecer uma
ciência política de liberdade e de justiça. O positivismo supõe a relatividade
de saber, de sua permanente perfectibilidade: --- é o estado definitivo em que
a mudança é constante. Augusto
Comte foi procurar a verdade, mas
encontrou o amor social, o altruísmo.
Antes, para ele, tudo era ciência;
mais tarde, no entanto, postulou que tudo é religião, ou o que é o
mesmo, que tudo é gnosiologia, o saber social.
E isso faz com que o positivismo melhor se caracterize por enfatizar o
estudo e a cultura dos sentimentos altruístas, dos afetos da sociabilidade.
POLITIQUE, IV,48
prece
Efusão de caráter
emocional, com evocação de fatos e pessoas, destinado ao aperfeiçoamento
afetivo, com correspondente satisfação pessoal. A oração, que pode ser
individual, doméstica, cívica ou universal é componente importante da cultura
afetiva humana e de sua felicidade pessoal.
Compõe o culto devido aos diversos graus da associação humana, a sociolatria,
e o culto dirigido à mulher, na família, na pátria e na sociedade geral. Sem misticismo ingênuo.
POLITIQUE, I,260
Ver gnosiologia, religião
preconceito
Opinião formada antes do estudo
de qualquer questão: implica numa suposição prévia, numa hipótese, sempre
antecedente e necessária a qualquer ação.
Há bons e maus preconceitos, sendo elogiável aquele que estabelece
abertura ao questionamento e ao estudo.
Toda hipótese é um preconceito, constituindo o núcleo básico inicial do
saber.
POLITIQUE, I,682
Ver fé, hipótese
presidencialismo
Regime político não-parlamentar,
sob controle de assembléia orçamentária eleita, com amplas liberdades públicas.
Comte deu-lhe o nome de “ditadura
republicana” ou “pronunciadura republicana”, hoje uma expressão imprópria e
pejorativa. Essa denominação infeliz tem provocado o engano de muitos
pesquisadores superficiais ou ingênuos, ao confundirem esse presidencialismo
libertador com a ditadura tirânica de Hitler, de Stalin ou de Getúlio Vargas.
POLITIQUE, IV,342;
FERREIRA-FILHO,1974,223,227
Ver ditadura
previsão
É característica importante da ciência
abstrata, que, por suas relações constantes, permite a antevisão certa,
infalível, dos fenômenos estudados. O estudo concreto, dificultando a
descoberta de leis e regras, não consegue previsões certas e precisas, sem
exceções. Notar que muitas previsões
numéricas feitas por Comte em sociologia e em política destinam-se a tornar a
conceituação mais clara, já que ele expressamente declarou que em sociologia a
previsão precisa é impossível. Muitas
das metas de prazo postas pelo autor são indicações as mais otimistas de
valores, tempos mínimos possíveis para a
realização dos eventos relatados.
POLITIQUE, I,549;
IV,253
profano
Ciência ou domínio fora do saber
relativo ao estudo psicossocial, humano, que é chamado de sagrado. Refere-se ao domínio das ciências da
natureza.
POLITIQUE, IV, 30
Ver sagrado, sociedade
profecias
Não é possível fazer profecias em
sociologia, mas podem-se prever tendências importantes, para estimar a
articulação impositivas entre as instituições e as artes, a filosofia e a
técnica. Pode-se usar esse conhecimento
demonstrável, claro, distinto e certo para a estimativa do futuro, no saber
indispensável para compreender o presente. Mas o estado futuro, a ser por nós modificado, não pode ser
determinado com tanta precisão como o passado.
Teorias mal elaboradas resultam em fracasso na aplicação política. Tal como na pretensão de eliminar a moeda ou
o capital na economia.
POLITIQUE, IV, 3
Ver sociologia
progresso
Só pode ocorrer pelo evolver de
uma ordem, de um arcabouço, de uma estrutura, conhecida pelo estudo estático ou
sincrônico do ser e de seus acontecimentos ou fenômenos simultâneos. O
progresso não cria, apenas desenvolve as capacidades já existentes na ordem ou
estrutura, já que nada se cria, nada se perde. Esse princípio implica na
impossibilidade do progresso pela revolução, quando se pretender criar o
aperfeiçoamento social pela destruição de sua estrutura, das instituições da
sociedade. Assim torna-se inviável sanar
o mau uso do capital por meio de sua extinção, das anomalias financeiras pelo
fim da moeda, na forma de uma simplória ingenuidade destruidora.
POLITIQUE, II, 469
Ver ordem
propriedade
Em sociologia a instituição da
propriedade privada conduz ao problema de sua criação, conservação e
transferência. Sua sucessão, até aqui
feita por hereditariedade familiar, chamada de “teocrática”, de origem no
regime de castas, deve passar a realizar-se por interesse social, numa forma
que foi chamada de “transmissão
sociocrática” em política e em economia. Pode ser tida em outro enfoque como o
“recrutamento da elite”.
POLITIQUE, I,163;
II,138
Ver sociocracia
psicologia
É a ciência das funções de
relação, individuais, encontradas nos humanos e também nos animais. Augusto
Comte a chama de “Moral”, o que é por
vezes lido como um conjunto de normas de conduta, gerando confusão. Na psicologia proposta pelo filósofo, estabelecem-se as
funções simples do cérebro, aparelho que é comprovadamente a sede dos fenômenos
da psique. A psicologia é a sétima e
mais complexa ciência abstrata da classificação conteanas. A sociologia, no campo abstrato, é mais
simples do que a psicologia, uma vez que não depende do comportamento individual,
que se neutraliza mutuamente no grupo.
Portanto, a psicologia depende de todos os fenômenos da série
enciclopédica que lhe estão abaixo e que são mais gerais e mais simples. A psicologia teórica coroa a escala abstrata, ao passo que sua
aplicação na psicologia prática, ética,
chamada de “moral prática”, constitui a mais complexa das técnicas, referida à
educação humana.
POLITIQUE, II,55; IV,231
Ver sociologia; ver o quadro da gnosiologia
qualidade
A qualidade de um ser é
apresentada por seus acontecimentos ou fenômenos. Tornando-se os fenômenos conhecidos, suas
relações mais simples podem ser quantificadas, o que não implica em redução ao
número, o que seria um materialismo algébrico.
A forma numérica representativa de uma lei fenomênica não “reduz” o conceito correspondente, porque
essas relações, mesmo quando possam ser expressas por meio de números, exigem
uma indução sempre empiricamente estabelecida, a posteriori, tanto quanto para
sua descoberta, verificação e para suas aplicações. A qualidade pode, portanto, ser quantificada,
nesses casos.
COURS, I, 129
Ver quantidade
quantidade
A quantidade ou número seria o fenômeno mais geral e mais simples de todos na escala
dos acontecimentos que se manifestam no ser.
O que significa que todos os demais fenômenos dependem dele e ele não
depende de nenhum dos outros, todos de maior complexidade e de menor
generalidade. Isso lhe dá uma
proximidade com a noção de absoluto, por seu menor contingenciamento, sujeito,
no entanto, ao processamento subjetivo da abstração humana. E a generalidade lhe oferece lugar de
destaque, por ser um dos mais importantes alvos da filosofia.
COURS, I,129;
POLITIQUE, I,464
Ver gnosiologia
raça, racismo
A mistura das raças aperfeiçoa as
qualidades de cada uma. O futuro será de
mestiços mais afetuosos, mais inteligentes e mais corajosos. Não há lugar para
racismo, de acordo com Comte.
POLITIQUE, II,461
racional
Referente à razão; razão é relação. Racional é usado em pelo
menos duas acepções: ou referente à
razão ontológica, ou referente à razão
natural, positiva. Descartes é
considerado o filósofo da razão, mas da razão mencionada em suas Meditações
Metafísicas, que não é a mesma que ele emprega em suas pesquisas empíricas,
matemáticas, físicas e biológicas.
Portanto, é ele racional de duas formas: por aplicar a razão ontológica,
e por ter, pela primeira vez, tentado a elaboração de um sistema moderno de
filosofia positiva, demonstrável more geometrico. Em ambas as formas de pensar, ontologicamente
ou não, procura-se a melhor hipótese para representar os eventos em estudo, por
meio da razão. Segundo Comte, a razão é
das mais fracas das faculdades dos humanos, humanos muito mais propensos à
espontaneidade da arte, do mito, e de suas soluções, mais belas e mais simples,
a priori.
POLITIQUE, I,713;
LINS,1963,226
Ver espírito, inteligência
razão
É a capacidade intelectual,
considerada das mais fracas, por Comte.
POLITIQUE, I, 680
Ver inteligência, ver
fé, racional
real
Só o social é o real.
POLITIQUE, I, 703
Ver humanidade, sociedade
realismo
A controvérsia entre realistas e
nominalistas na Idade Média é a crise
principal da ontologia.
POLITIQUE, III,39
Ver metafísica, ontologia
reflexão
O entendimento reproduz as
imagens exteriores em imagens internas aproximadas, tal como o reflexo de um
espelho.
POLITIQUE, I,707,717
Ver imagem, meditação, representação
regra
A fraca inteligência humana não
consegue perceber relações constantes, leis infalíveis, no estudo direto da concretude,
do ser concreto, mas apenas regras aproximadas, sempre sujeitas a
exceções. Somente no estudo dos
fenômenos abstratos, em separado do ser, foi possível descobrir leis imutáveis
com a preciosa generalidade, sempre buscada pela filosofia. Tal impossibilidade em descobrir leis gerais
concretas do ser resulta em que as regras da concretude sejam especializadas e
não gerais. Em outros termos, o saber em generalidade sempre se refere a
abstrações, a fenômenos do ser.
POLITIQUE, IV,246
Ver abstração,
quantidade
religião
Na filosofia da história
verifica-se que as religiões em todas as civilizações apresentam estrutura
semelhante e mesmo destino permanente.
Nota-se o culto, de adoração, desenvolvendo os sentimentos; a doutrina , dogma ou filosofia, base intelectual;
e o regime, regras de conduta. Na visão teísta, todas as demais religiões
são adversárias e concorrentes, só a própria lenda sendo real. Essa dificuldade lógica recomenda o
afastamento, no estudo, de superstições quaisquer, o que nos leva ao emprego
permanente de conceitos verificáveis, universais. A religião liga e religa, conduz à coerência,
à unidade pessoal, ligando o indivíduo a si mesmo e religa
a pessoa ao grupo, pela fé comum, na adoração do poder superior em cada forma
religiosa, sempre em condição crescente de liberdade individual. A teoria da religião em Comte é a própria teoria
da liberdade humana.
POLITIQUE, II,p.8;
APELO,132
Ver gnosiologia, ver quadro das concepções, anexo
representação
O animal apresenta entre a sensibilidade
e a contractilidade sua coordenação mental, que se processa pela imaginação,
isto é, pela reprodução das sensações recebidas, comparada com a percepção
externa, empregadas na elaboração mental.
A imagem refere-se a cada sentido em separado: imagens auditivas, térmicas, olfativas, em
recordação combinada ou não. São as
imagens sujeitas a alienações correspondentes, em ilusões simples ou
combinadas.
POLITIQUE, IV,176
Ver abstração, cerebrais-funções, imagem
república
Regime político que busca o bem
público, a comparar com o do bem de uma família na monarquia, onde o governo é
transmitido hereditariamente. Corresponde à eliminação desejável dos
privilégios que conferem vantagens a pessoas por seu nascimento, profissão ou
escolaridade em contraste com as insuficientes condições de vida do trabalhador
comum.
POLITIQUE, I,163
revolução
Movimento de destruição ou
mudança das instituições existentes, na procura de aperfeiçoamento rápido. Necessária para a transição da civilização
medieval para a modernidade, a revolução ocidental dura mais de 6 séculos,
podendo-se vê-la nos movimentos de
contracultura, na luta e no ódio dos subordinados contra seus chefes.
POLITIQUE, II,430
Ver alienação,evolução, progresso
revolução
feminina
O sexo feminino, melhor dotado de
afeição, deve ter seu lugar de destaque na renovação filosófica da
modernidade. O mais significativo
indicador do progresso humano é a libertação e dignificação do papel da mulher
na sociedade.
APELO,53
Ver mulher, revolução feminina
sagrado
Uma ciência ou domínio é chamado
de sagrado por Comte quando se refere ao
âmbito psicossocial, portanto ao estudo da sociedade e do comportamento humano,
ligado ao sujeito, superior em complexidade a todos os demais departamentos do
saber.
POLITIQUE, IV, 30
Ver profano
Saint-Simon, conde de - (1760-1825)
Nobre e intelectual, de quem
Comte foi secretário na juventude. Não
confundir com o duque de St.-Simon (1675-1755), memorialista. Parece fora de dúvida que o conde de
Saint-Simon não possuía cultura enciclopédica para ser o autor das concepções
desenvolvidas por Augusto Comte, de quem comprava a redação de publicações,
tomando Comte e outros jovens como ghost
writers, os autores fantasmas. Resumiu
St-Simon sua própria vida como tendo sido
“metade votada a comprar idéias e metade a vender idéias”. Muito mais velho, seria St.Simon apenas um
aluno ambicioso e incompetente de Comte.
Apenas um discípulo, ou melhor, um plagiador.
POLITIQUE, III, XV; GOUHIER,1933
semana
Foi espontaneamente instituída de
forma universal, completada pelos judeus.
POLITIQUE, III,408
semelhança
Leis de semelhança são as
relações fixas notadas em estudos estáticos, onde o fator tempo é abstraído,
como em aritmética e em geometria.
POLITIQUE, I, 487
Ver dinâmico
sensação
É a percepção pelo ser vivo das
alterações objetivas e subjetivas, externas e internas ao seu organismo. A sensibilidade no animal é ligada pelo
sistema nervoso à contractilidade.
POLITIQUE, I,680
Ver contemplação
sentidos
Os cinco sentidos conhecidos se
tornam oito sentidos se for considerado o desdobramento da sensação do tato em
quatro sentidos simples: da forma, do
peso, do calor e elétrico, chamados por Comte como tato propriamente dito, musculação, e por
dois neologismos: calorição e eletrição.
POLITIQUE, IV,235;
AUDIFFRENT,1869,165
ser
O ser é estudado pelos
acontecimentos, pelos fenômenos que apresentam.
Ao estudo da existência estaria ligado o mistério da criação de todos os
seres.
POLITIQUE, IV,Appendice,222
simples
Na escala abstrata dos fenômenos,
os mais simples são independentes dos mais complexos, sendo também mais
numerosos, ou mais gerais. O número, ou
existência, é o mais simples, mais geral e mais independente dos fenômenos. O fenômeno forma, em geometria, depende do
número. Em mecânica, o movimento depende
do número, da forma e do tempo.
COURS, I, 18
singular
O ser concreto é singular. O
conceito de estudo concreto é definido pela consideração do ser singular, com
todos os seus acontecimentos ou fenômenos tomados em conjunto.
POLITIQUE, I, 424
Ver abstração, regra
síntese
É a reunião dos elementos
estudados em separado por análise; é a
reunião em sistema de vários conceitos, como um corpo de doutrina, em torno de
um centro de referência, teleológico. O
método analítico científico, cartesiano, nas ciências dos fenômenos
inertes, consiste no estudo em separado
de seus fenômenos. A análise, bem como a
explicação ontológica por meio de entes especializados em cada tipo de evento,
levam à divergência incapaz de formar uma teleologia, o que só se obtém com uma
síntese. Um sistema absoluto se faz em
torno de uma verdade indiscutível, imutável, com a síntese feita em torno de
seres antropomórficos superiores, os deuses;
--- essa seria uma síntese subjetiva, mas absoluta. A síntese em torno da raça humana, da
sociedade dos humanos, seria uma síntese subjetiva, mas relativa, como o
sistema de Augusto Comte, com aquela teleologia que empregamos necessariamente
a cada ato nosso de todo dia, em que tudo se refere ao social. O ser humano, sempre coletivo, não pode
viver sem uma síntese qualquer, para coordenar seu pensamento individual
independente, em liberdade e para dirigir sua atividade, pessoal e grupal. Sem síntese, ocorre a desintegração da
personalidade, com a angústia, sentida por filósofos revolucionários em nossos
dias, alguns naturalmente suicidas.
POLITIQUE, I,580;
POLITY, I,470
Ver gnosiologia, síntese
socialismo
A filosofia política de Comte é
um socialismo filosófico com ênfase no sentimento altruísta, nas ciências
humanas e na praxis sob plena liberdade.
Por isso é visto pelos totalitários tanto conservadores como
progressistas como uma proposta política romântica.
Mas o filósofo assevera ter sua proposta a firmeza e infalibilidade
apoiada na demonstração more geometrico.
POLITIQUE, IV, 65
Ver patriciado, sociedade, sociocracia, vontade
sociedade
Agrupamento espontaneamente
formado pelos humanos e por numerosas espécies animais na coesão simultânea da solidariedade. No
caso humano, pela veneração dos
antepassados, a experiência e o saber
são transmitidos às gerações pósteras, na coesão sucessiva, dinâmica da continuidade. É o serviço após a morte. Que formou uma espécie única progressista,
tornada necessariamente hegemônica, capaz de destruir todas as espécies
antagônicas, assimilando as raças domesticáveis como auxiliares. A humanidade se tornou, assim, o conjunto
dos seres convergentes, que criou uma cultura permanente, com suas religiões,
seus deuses, suas civilizações.
Transformou a maior parte de seus componentes individuais em seus agentes
em liberdade desse grande organismo sociológico, que rege a modificação sobre o
planeta e sobre os humanos. A
divergência de agentes mal formados é desconsiderada na transmissão dos
resultados. Os maus são esquecidos, muitas vezes punidos. O indivíduo isolado não existe, é uma abstração
irreal: os agentes pessoais pensam,
falam e agem por meios sociais e com finalidades sociais. A teleologia é tão contingente, tão
imperativa, que levaria à
verificação de que “o único ser real é a sociedade humana”. Sem ter atributos absolutos, mas sendo
contingenciado, altamente dependente, tal ente,
como um Novo Deus, seria servido por todo outro ser, agora e na
antiguidade,mesmo quando outros entes míticos sejam adorados. Só o social é o real, o real é o social.
POLITIQUE, IV,30
Ver humanidade
sociocracia
É o regime político destinado a
servir à sociedade, resolvendo problemas como os da transmissão da propriedade
social e do governo, até agora feita por hereditariedade familiar. Nessa visão o mando e a riqueza poderá voltar
a ser um só poder para o governo material, que deverá assegurar e manter
condições materiais mínimas e a dignidade do trabalhador e de sua família. A transição seria feita por um meio de um
presidencialismo com liberdade com responsabilidade, de caráter temporário, até
alcançar o consenso filosófico, já que a sociocracia só seria possível com um
empresariado moralmente socializado e conduzido, em liberdade, pelo prestígio próprio
de uma equipe filosófica libertada, associada a uma opinião pública de
proletários respeitada e igualmente livre.
POLITIQUE, IV,333
Ver vontade
sociologia
Neologismo propositalmente
híbrido greco-latino criado por Comte, para designar a ciência abstrata
relativa ao fenômeno do agrupamento humano.
Tem como método dominante a “filiação histórica”. Independe a sociologia, no âmbito abstrato,
dos fenômenos psicológicos individuais, que se neutralizam no grupo.
COURS, IV,252;
POLITIQUE, I,403
Ver abstração, profecia,
psicologia
solidariedade
É a cooperação humana simultânea,
em cada época, dentro de cada geração.
Outros animais, além dos humanos, apresentam a solidariedade.
POLITIQUE, I,364
Ver continuidade, sociedade
sujeito
e objeto
O humano observador é a
referência: o observado é o objeto: essa a forma de relação que é fundamental
no saber: determina a dificuldade da
apreensão do conhecimento absoluto, mostrado por Hume e Kant.
POLITIQUE, III,19
Ver objetivo
teatro
A representação, como atividade
artística, sempre foi, na história, parte integrante da atividade religiosa,
criada pela própria equipe sacerdotal.
Registra-se sua separação da religião na Grécia antiga e depois, na
crise da modernidade, sob os veementes anátemas dos sacerdotes católicos da
Idade Média. A previsão de Comte é de
seu retorno aos templos da filosofia, quando, no futuro, se reconstruir a
autoridade filosófica. Em nossos dias,
o teatro será de grande valor, diz o filósofo, na reconstrução e na
popularização do saber. E acrescenta,
será hoje o teatro empregado para a reorganização da educação, para propagar o
estudo das línguas estrangeiras, desenvolver a amizade internacional e na
extinção de preconceitos nacionalistas exagerados.
POLITIQUE, IV,442
técnica
É o conjunto das artes úteis, na
forma de pesquisa, registro e divulgação; faz parte da filosofia, por isso contida, com pioneirismo,
na grande enciclopédia de Diderot e d’Alembert.
O trabalho industrial pacífico substitui a guerra, na modernidade. A atividade segue também uma lei de 3 estados:
primeiro a guerra de conquista, depois a
guerra defensiva e finalmente a atividade industrial e pacífica.
POLITIQUE, IV, 247
Ver conhecimento.
teísmo
Comte usa o termo teologia.
Historicamente pode-se notar a constância da instituição religiosa em
meio da diversidade dos deuses.
POLITIQUE, II, 80; IV,533
temporal, poder
É o governo material, nitidamente
identificado na sociologia de Augusto Comte como a coordenação dos atos
em política, em contraposição ao
controle das idéias, do conselho, das opiniões, cujo governo é chamado de poder
espiritual. A independência do poder
espiritual é a grande preocupação de Augusto Comte, o que conduz á preservação
das amplas liberdades individuais e públicas na ciência política. Ao falar em “separação dos dois poderes”, o filósofo do positivismo está repetidamente
propondo a mais ampla liberdade. Desconhecer
a identificação desses poderes e sua necessária independência constitui a
característica básica do pensador autoritário, totalitário. Mesmo sob um regime político eleitoral.
POLITIQUE, II, 194, 315
Ver espiritual,
ver governo
teologia
Estudo sistemático da
divindade. Comte usa essa palavra no
sentido de “teísmo”, de crença em
divindades e fetiches, cujas vontades explicam os fatos do mundo e do humano.
COURS, I, p.3
teorema de Arrow
Estudo matemático do processo de
escolha social pelo sistema eleitoral, feito por Kenneth Arrow,
contemporaneamente, demonstrando falhas do processo, que impedem seja ele usado
na democracia. O regime democrático
seria melhor definido pelas liberdades e pela justiça e não por eleições.
ARROW, 1963,59,93
Ver democracia, paradoxo de
Condorcet
totalitário
Regime político com o cerceamento
violento da liberdade pelo Estado, o poder material. Corresponde à fusão dos dois poderes, o
material e o das opiniões.
POLITIQUE, II, 194
Ver temporal, ver governo
trabalho
Atividade produtiva dos humanos,
evoluindo segundo uma lei de 3 estados: ver técnica. Na modernidade, substitui a guerra como
atividade principal. Mas o trabalho não pode faltar para o proletário. O
salário não é pagamento do trabalho humano.
POLITIQUE, IV,455
transmissão sociocrática
Passagem da riqueza e do poder em
forma socializada, em substituição à transmissão hereditária da antigüidade,
originada no regime de castas.
POLITIQUE, IV,333
Ver sociocracia
utopia
Apesar do empirismo da arte
política antiga, Comte afirma que toda grande mudança é precedida de um ou dois
séculos por uma utopia estética, sob um instinto confuso da situação e de suas
necessidades.
POLITIQUE, IV,182
Ver arte, estética
verdade
Se o saber não passa de uma hipótese
capaz de atender aos dados disponíveis, a verdade torna-se relativa a essas
condições, variando com o observador, no tempo e no espaço. A verdade tende a
ser, em cada época, o mais simples
conceito que possa representar o evento em estudo.
POLITIQUE, I,554;
IV,173
Ver absoluto, ver hipótese, relativo
vida
Fenômeno verificado no ser,
definido como o movimento contínuo e involuntário de assimilação e
desassimilação no meio ambiente.
POLITIQUE, I,586
vontade
Por meio da cultura, a sociedade
humana governa diretamente o pensar e as afeições da geração contemporânea.
Essa é uma “vida subjetiva”, verificada através dos tempos, na filosofia
da história. Um império do passado, o
governo pelos mortos, o serviço after
death, estabelecido pela constituição
psicossocial do ser humano, a força que gera a vida em sociedade, única
realidade para nós. Mas a ação
objetiva, a praxis,
só se efetua pela vontade do agente vivo, no tempo presente, na ação. O
ser social, a humanidade, em sua constituição composta, apresenta essa insuficiência
principal. No patriciado, ou
empresariado, reside a sede da vontade, da ação material, na praxis.
POLITIQUE, IV, 65,77;
APELO, 76
Ver neutralidade, patriciado, temporal-poder